Caso George Wright – Uma analise possível

Por: Hélio Bernardo Lopes

Desde anteontem que tomei conhecimento da detenção em Portugal de George E. Wright, fugido de uma prisão norte-americana há quarenta e um anos, depois de ter sido condenado, em 1962, a uma pena que deveria variar entre quinze e trinta anos de prisão, por ter assassinado um seu concidadão, que era um veterano da II Grande Guerra, junto de uma estação de serviço. Ora, convém olhar para este caso com alguma atenção.

Em primeiro lugar, o tempo em que teve lugar o crime era um tempo em que ainda vigorava o racismo nos Estados Unidos, com Kennedy na presidência, e onde o comportamento dos negros era sempre tomado como de culpabilidade, sobretudo, se estava em causa um queixoso, ou uma vítima, branca.

Em segundo lugar, as notícias que têm vindo a público dão uma ênfase especial ao facto da vítima ser um veterano da II Grande Guerra, o que podia até ser do mais cabal desconhecimento de George Wright. Podia saber do facto, ou não o saber. Mas também é verdade que o facto de se ser veterano, só por si, nada significa, porque se pode possuir essa condição e estar longe de constituir um qualquer bom exemplo. Enfim, não sei mais sobre quem era e o que fez, ou não fez, a vítima.

Em terceiro lugar, não pode esquecer-se as caraterísticas essenciais da sociedade norte-americana, desse tempo, de antes ou mesmo de hoje, e que é o facto de se tratar de uma sociedade essencialmente violenta, onde, nos nossos dias, um em cada cento e quarenta e três norte-americanos está preso… Um dado sobre que vale por tudo o resto o que o cinema desde sempre nos ensinou.

Em quarto lugar, e tendo em conta o tempo em que o crime teve lugar – o racismo era, então, uma realidade vivíssima –, não pode deixar de chamar a atenção a suavidade da condenação: entre quinze e trinta anos, ou seja, quase como entre nós para um homicídio claramente não premeditado.

Em quinto lugar, a condição social de George Wright, de parceria com o tempo racista de então, terão claramente determinado que tenha sido defendido de um modo razoavelmente fraco, porventura, mesmo predisposto a condenar a qualquer preço. Repito: olhe-se a brandura da pena para os Estados Unidos do tempo.

Em sexto lugar, tudo o que se passou com a sua vida em Portugal, tendo constituído família, casado, com a nacionalidade portuguesa e com dois filhos, um de vinte e quatro anos e outro de vinte e seis. Ao que se pôde apurar agora, George Wright sempre trabalhou, também estudou, e até conseguiu aperfeiçoar-se a níveis muito diversos. Ou seja, a comunidade portuguesa que o envolvia e com ele lidava nada lhe apontou.

Em sétimo lugar, George Wright também viveu na Guiné-Bissau, onde, por igual, deixou simpatia e boas recordações junto de quantos o conheceram e com ele conviveram. Ou seja, tudo aponta para uma conclusão clara e inequívoca: aquele crime que o levou à prisão, e com uma pena tão leve para um tempo em que o racismo estava vivinho nos Estados Unidos, pode, em mui boa medida, ter sido uma carta fora do baralho do seu real modo de ser e da sua estrutura interior.

De molde que coloco agora duas questões. E se o filho mais velho de George Wright se tivesse licenciado em Direito e tivesse seguido a carreira da magistratura judicial, sendo hoje, por exemplo, juiz auxiliar numa comarca do interior do País? Seria tudo como se assim não fosse? Com toda a sinceridade, não acredito. E uma segunda questão: teria George Wright feito o que fez se sempre aqui tivesse vivido? Claro que não! E não por esta razão simples: mau grado tudo, a sociedade norte-americana é incomensuravelmente mais violenta que a portuguesa dos nossos dias, já muito atingida pela diabólica organização neoliberal, onde a vida vale nada e só o dinheiro realmente conta.

Dirá o leitor: mas a verdade é que ele matou um concidadão seu! Pois sim, mas Pinochet mandou e consentiu no homicídio de quarenta mil, fossem chilenos, espanhóis, franceses e, até, norte-americanos. E a verdade é que a na aplicação do Direito ao seu caso, o que acabou por prevalecer foi que (supostamente) estava doentinho e velhinho… E ainda teve um funeral com honras militares, mau grado o seu colega Manuel Contreras ter revelado que aquele havia criado, no Chile e por lugares diversos do Mundo, uma rede narcotraficante. Sobre a sua riqueza assim conseguida, bom, nada se conseguiu saber, ao contrário dos casos de Mubarak, Kadhaffi ou Ben Ali…

Fico à espera, com natural curiosidade, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, embora tenha dificuldade em conceber que, por tudo quanto escrevi atrás, o mesmo possa devolver George Wright ao país de cuja cultura ainda se alimenta, mas de que tem tanto medo como há dias se pôde escutar a Dominique Strauss-Kahn. Filho, como sou, de um norte-americano por naturalização, sempre disse a todos os amigos ou conhecidos que quem vai aos Estados Unidos só sabe como entra…

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Fonte: O Rio

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