Cecília além-mar

No Recife, aos dezessete anos, Cecília MacDowell Santos ainda não sabia qual faculdade cursar. Isso porque ia bem em matemática e história, desenho e literatura. Acabou optando por informática, mas abandonou no segundo semestre. No ano seguinte, ingressou na Faculdade de Direito. “Quem me influenciou foi uma amiga que dizia que eu escrevia bem e levava jeito para argumentar”, Cecília se recorda. Mas ela também não esquentaria a cadeira no Direito. Chegou a fazer mestrado e a advogar em São Paulo. Mas na hora de pensar o doutorado, descobriu que sua paixão era a Sociologia do Direito. Ela explica: “O que eu gosto mesmo é de pesquisar e ensinar. A prática da advocacia não me atrai”. Na época, comecinho dos anos 1990, Sociologia do Direito era tema um tanto marginalizado no Brasil. Foi aí que Cecília se decidiu pelos Estados Unidos, país onde mora faz vinte e três anos. Ela fez seu doutorado na prestigiosa Berkeley. No exigente curso de doutorado, Cecilia teve que aprimorar muito seu inglês. Ela conta: “Eu podia ler e escrever, mas meu vocabulário, sintaxe e pronúncia deixavam a desejar. Foi difícil. Quase desisti. Mas segui em frente”.

por Fernanda Pompeu,

A pesquisa no doutorado renderia, anos depois, seu primeiro livro escrito em inglês, publicado nos Estados Unidos pela editora Palgrave Macmillan. “O livro é sobre as Delegacias de Mulheres em São Paulo. Nele, analiso três discursos: o das mulheres que prestam queixas, das policiais e das feministas.”Aliás, o feminismo entrou na vida de Cecília quando ela ainda estudava em Berkeley: “Foi lá que uma colega de curso me chamou de uma mulher de cor. Levei um susto, pois no Brasil eu era branca. Esse episódio fez com que eu pensasse no racismo e no machismo, não só americano como brasileiro. Enfim, a partir daí abracei as causas antirracistas e feministas”. Ela agrega: “Há muitos feminismos. O que mais aprecio é o feminismo que não questiona apenas as desigualdades entre homens e mulheres, mas aquele que observa as desigualdades entre as mulheres. Aí entram, classe social, idade, raça e orientação sexual”. Para este 2014, Cecília tem planos de reescrever o livro considerando a aplicação da Lei Maria da Penha. A ideia é finalmente publicá-lo em português. Em 2009, numa de suas estadas no país, ela também organizou, ao lado dos irmãos Edson e Janaína Teles, o livro Desarquivando a Ditadura: Memória e Justiça no Brasil, publicado em dois volumes pela editora Hucitec. “Trata-se do direito à memória política, um aspecto importante, e pouco visível, dos direitos humanos”, ela frisa.

Hoje, Cecília MacDowell Santos mora em dois continentes. A maior parte do ano nos Estados Unidos, onde é professora associada de Sociologia na Universidade de São Francisco – USF. Ela entrou na Universidade por concurso público, em 2001, e tem cumprido um plano de carreira bastante satisfatório. No momento, é responsável pelo desenvolvimento de programas na área dos Estudos da Globalização. Ela explica: “É um trabalho bem dinâmico. Além das aulas regulares, também oriento teses de graduação em Sociologia e teses de mestrado em Estudos Internacionais”. Seu apartamento, em São Francisco, fica a 20 minutos a pé da Baker Beach. Olhando as falésias dessa praia, ela tenta disfarçar a nostalgia das dunas da praia da Boa Viagem de sua Recife. Cecília também desfruta da cidade liberal e vanguardeira. Outra pequena parte do ano, ela vive em Portugal – onde mora sua companheira, a professora e dramaturga Teresa Henriques. Lá, Cecília também é pesquisadora do Centro de Estudos Sociais (CES) na tradicionalíssima Universidade de Coimbra. Dirigido por Boaventura de Sousa Santos, o Centro é um laboratório de pesquisas avançadas nas diversas áreas das ciências sociais e humanas. De tão importante, o CES foi classificado como um espaço de excelência por um júri internacional.

Mas apesar da vida atribulada e cheia de aviões e responsabilidades, Cecília sempre arranja um tempo para dar suas escapadas e visitar o Brasil. Ela diz: “O que mais sinto falta é da família, dos amigos brasileiros, de falar português o dia inteiro, do calor humano”. Cecília, poeta bissexta, já escreveu em versos sua saudade de Recife: “Da rua do Imperador, da praça do Entroncamento, da rua da Saudade, da Soledade, do Hospício. Do Galo da Madrugada, da ciranda de Camaragibe. Da tapioca da esquina, do arrumadinho de Afogados, do sarapatel do Prado, do suco de graviola da minha mãe”. Ela se sente 100% nordestina, herdeira de uma cultura completa e fulgurante. Seus versos continuam: “O nordeste me botou no mundo / Me molda no fundo / Na inteireza da minha alma”. Outro amor é por São Paulo, onde, este ano, ela dará sequência a sua pesquisa sobre casos de violência doméstica contra as mulheres, nos quais o Estado brasileiro se omitiu. Sempre que possível, Cecília tenta juntar estudo e ação. Reflexão e luta. Pernambuco e mundo afora.

 

 

 

Fonte: Yahoo! Mulher

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