Chacinas, racismo e cidade: Qual o modelo de cidades seguras queremos?

Enviado por / FonteEcoa, por Tainá de Paula

Sem dúvida alguma o modelo de segurança pública do Brasil faliu em múltiplos aspectos: população carcerária é a terceira do mundo; índices de violência são compatíveis a uma guerra civil; os calibres usados pelas polícias brasileiras são os maiores do mundo; e com a quantidade de armas apreendidas por ano se equiparia um exército.

Desde 2018, o Brasil é signatário do Tratado Internacional de Armas (ATT, na sigla em inglês de Arms Trade Treaty), que cria uma instância supranacional de responsabilidade do comércio ilegal de armas. É um passo importante para o rastreio e controle sobre a importação e exportação e sobre um dos principais debates do país: como se evitar a militarização dos territórios.

Durante anos, o grande debate ao redor da segurança pública foi a proibição de drogas e o combate à organização militarizada dos grupos da cadeia do tráfico, que vendem no varejo e no atacado em diversos pontvioos das cidades. Contudo, será nos territórios em vulnerabilidade social, majoritamente negros, que os conflitos armados se darão, tendo em vista a dificuldade histórica de consolidação da agenda de direitos dos mais pobres e negros.

Como exemplo concreto disso, basta ver o número de operações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Rio de Janeiro (GAECO/RJ), que cumpre mandados de segurança e executa operações majoritariamente na zona sul e zona norte do Rio de Janeiro, enquanto Bope e Core atuam majoritariamente na zona oeste e favelas da zona norte, com operações pouco coordenadas e com alto grau de letalidade.

A presença de armas e conflitos armados nessas áreas estimularam ao longo dos anos a formação de grupos paramilitarizados, que detém armas de altíssimo calibre e códigos locais de restrição de liberdade aos seus moradores – devem evitar cores específicas, trajetos, etc e claro, colaborar com a vida cotidiana desses grupos, seja com abrigo, seja com prestação de serviços, restrição de utilização do espaço público, etc.

Nesse sentido, o ATT serve como potente instrumento e combate o verdadeiro problema da segurança urbana que é a necessidade da diminuição de armas e não, necessariamente, do consumo e venda de abusivo de drogas ilícitas. No Brasil, apesar do ministro Alexandre de Moraes ter suspendido a portaria 62/2020, editada em abril do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro, que revogava normas que garantem maior controle de rastreamento de armas e munições no país. Apesar da medida ser de grande valia na política de controle de armas, o Fórum de Segurança Pública aponta que boa parte das armas desviadas das forças armadas brasileiras e polícias servem para armar grupos de criminosos e concretamente formam um grande esquema com as forças militares brasileiras.

Desde 2006, a ONU aponta a necessidade de controle de armas por tecnologias de rastreio, principalmente em sociedades com grande número de circulação. Além disso, uma série de plataformas de padrões de enfrentamento à violência urbana e tabulação de incidências foram desenvolvidas por entidades internacionais e think tanks. Aqui no Brasil podemos destacar o Instituto Igarapé e suas plataformas de dados e mapeamento, produzindo dados para polícias e governos de forma satisfatória. Cidades do mundo inteiro utilizam centrais de controle com utilização de câmeras, inclusive termais. Em algumas cidades, já existe o debate avançado da liberdade individual e independência de ir e vir, tendo em vista que em muitas cidades o seu nº de GPS individual deve ser dividido com o Estado. A Coreia do Sul radicalizou essa agenda inclusive no enfrentamento à covid, localizando moradores contaminados e garantindo o isolamento, monitorando cerca de 10 mil pessoas por dia no ápice da pandemia.

Na contramão desse debate, o discurso hegemônico no Brasil continua sendo o do aumento das armas, das operações e das execuções. As chacinas são o superlativo de uma contradição entre prestação de serviços de segurança e mortes evitáveis e consolida o sentido de um Estado policial e racista. As chacinas não ocorrem em territórios nobres e em territórios de maioria moradora branca. Descartar corpos negros se encaixa no padrão sociológico do Brasil, tendo em vista que estes indivíduos são desprovidos de direitos.

Nesse sentido, é correto afirmar que não haverá mudança no modelo de segurança e prevenção à violência se não mudarmos a métrica dos corpos descartáveis: se os negros ganharem importância social, suas mortes e as balas que os executam serão rastreadas.

Até lá, teremos balas em corpos chafurdando em mangues e covas rasas.

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