Cineasta brasileiro lança nos EUA filme com elenco de atores negros

Através do riso, ele quer fazer a gente pensar. E, com a obra que é carimbada como uma comédia, retrata o drama da vida e acima de tudo a realidade do dia a dia de ser negro no Brasil.

Por Cleide Klock, do RFI

O cineasta Jeferson De em Los Angeles, no Pan African Film Festival. C. Klock

Correspondente da RFI em Los Angeles

O cineasta Jeferson De acaba de fazer a estreia mundial do filme “Correndo Atrás”, em Los Angeles, no Pan African Film Festival, a maior e mais prestigiada mostra de arte e de cinema negro das Américas, que começou no dia último dia 8 e termina nesta segunda, 19 de fevereiro. O longa-metragem tem como diferencial o fato inédito de ter levado à tela um elenco quase todo formado por atores negros brasileiros. Por trás das câmeras, a mesma coisa, e a equipe de produção, e principalmente os diretores, assim como Jeferson, também são afrodescendentes.

“A gente acha importante mostrar um Brasil ligado à cultura negra, com pessoas negras na tela e que, no entanto, a violência não é a protagonista. Os protagonistas são as pessoas, homens e mulheres comuns, trabalhadores construindo esse Brasil. Porque a impressão que dá é que sempre que a gente vai para a favela, que tem pessoas negras, sempre tem o tiro, a polícia, a violência. Então, o filme é uma declaração de amor e uma ode à alegria, embora a gente tenha muita tristeza e ressentimento, mas talvez a gente consiga transformar tudo isso em alegria.”

Para o cineasta, esta foi uma forma de mostrar o trabalho e também protestar contra a falta de inclusão no meio cinematográfico.

“Politicamente era importante mostrar o que a gente é capaz de fazer e que a gente já conta com uma equipe experiente no Brasil, fazendo filmes, e que nem sempre ocupa o espaço de poder na cadeia cinematográfica.”

O primeiro levantamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine) a contemplar dados sobre raça acaba de ser divulgado e revela em números essa disparidade. Lembrando que 54% da população brasileira é formada por afrodescendentes, o estudo feito a partir dos filmes lançados em 2016 mostra que 75,4% das produções analisadas foram dirigidas por homens brancos, 19,7% por mulheres brancas e 2,1% por homens negros. Nenhuma mulher negra aparece na estatística.

Dentre a equipe de produção, os números são similares e na atuação de 97 filmes de ficção, 42,3% não têm nenhum ator ou atriz negra no elenco. Jeferson De conta que o relatório foi uma resposta da Ancine à pressão feita pelos produtores brasileiros que acabam de fundar a primeira associação nacional de produtores negros na história do país.

“A gente tem essa disparidade muito grande, principalmente se a gente considera que somos mais de 50% da população, e no Brasil se faz cinema com dinheiro público, ou seja, com o dinheiro dessa população negra. No entanto, a gente não está conseguindo produzir os nossos filmes. Essa história não está sendo contada nos nossos cinemas do ponto de vista dos negros”.

Jeferson comenta que os grandes filmes brasileiros mundialmente conhecidos como “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus”, que estão ligados à cultura negra urbana não foram contados, ou raramente, por uma pessoa negra.

“Lembrando de maneira ainda mais importante a pouca presença das mulheres negras produzindo filmes. Essas, sim, são a maioria da população brasileira e no entanto a gente não tem diretoras negras no Brasil. A última e única a dirigir um filme foi Adélia Sampaio, com “Amor Maldito”, há mais de 30 anos.”

“Correndo Atrás”, o filme

Jeferson De, que dirigiu o premiado filme “Bróder” e também escreveu o “Dogma Feijoada” (um movimento que no ano 2000 produziu filmes centrados na temática racial e buscou desenvolver um conceito de cinema negro brasileiro), agora experimenta a comédia. “Correndo Atrás” foi rodado em Muriaé, Minas Gerais, São Paulo e no Rio de Janeiro, com um orçamento de R$ 5 milhões aprovado na Lei do Audiovisual. O longa é uma adaptação do livro “Vai na Bola, Glanderson”, do comediante Helio de La Peña – que também assina o roteiro junto com De e faz uma participação especial como ator.

“É a vida cotidiana de pessoas comuns no Brasil que estão sempre mudando de emprego. Há uma série de tramas, pequenos dramas, só que a gente procurou colocar a via da comédia até para entender que através da comédia eu consigo traçar de uma maneira muito mais precisa uma crítica social. Nesse sentido me lembro de Charlie Chaplin fazendo “O Grande Ditador”. Ele usou a comédia para ser muito preciso no tipo de crítica. E obviamente está embutida no filme a questão racial: à medida que você vai para os círculos de poder, você tem mais pessoas brancas, e quando vai para as áreas mais pobres, mais negros.”

No elenco ainda estão Ailton Graça, Juliana Alves, Lázaro Ramos, Juan Paiva, Teka Romualdo, Francisco Gaspar, Rocco Pitanga e Tonico Pereira. A direção e a produção musical são do rapper BNegão. O filme é uma coprodução da Buda Filme (produtora de Jeferson), Globo Filmes, Rio Filmes e La Peña Produções. A estreia no Brasil está marcada para 7 de junho, uma semana antes do início da Copa do Mundo na Rússia, já que o filme também fala de futebol.

Festival reforça diálogo entre afrodescendentes

O Pan African Festival, que está na 26 ͣ  edição, é a principal mostra norte-americana dedicada a obras que reforçam o diálogo sobre questões culturais entre os povos afrodescendentes. Neste ano estão participando 170 filmes de 40 países. Em 2011, o filme “Besouro”, do diretor brasileiro João Daniel Tikhomiroff, foi o grande vencedor do festival.

“Esse tipo de festival é importante, em primeiro lugar, porque há uma troca muito intensa sobre ter a África e essa história negra nas Américas, e todos estão fazendo essa mesma reflexão. Em segundo lugar, porque a gente enfrenta no audiovisual aqui nos Estados Unidos e também no Brasil a dificuldade de participar desse mercado. Nesse momento, o cinema americano vive isso, como vimos o protesto no Oscar, e no Brasil temos a mesma questão. Então, a gente se une aos movimentos das mulheres, às pessoas ligadas ao universo LGBT, pessoas que vivem o cinema, mas que não conseguem participar de um maneira ativa, nas instâncias de poder do cinema.”

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