Diria a lógica que de forma alguma um clube da décima segunda divisão do futebol inglês – sim, há pelo menos doze divisões no futebol inglês – se tornasse um verdadeiro fenómeno em… Espanha. Mas, no futebol, como na vida, como tantas vezes se diz, a “lógica é uma batata” e foi precisamente isso que aconteceu ao Clapton CFC, clube da zona este londrina, que surgiu como resposta ao Clapton FC fundado em 1878, e cujo estádio – devemos dizer campo? – é o estádio mais antigo do futebol londrino ainda em atividade. Carinhosamente apelidado de “The Dog”, o The Old Spotted Dog Ground recebe jogos de futebol desde 1888 e durante a primeira guerra serviu de bateria anti aérea. Nada disto, porém, justifica que o Clapton seja por esta altura um dos clubes ingleses mais populares em Espanha. Não. Essa honra deriva do facto do Clapton ter surgido na nova temporada com um equipamento que apaixonou os espanhóis.
Roxo, vermelho e amarelo não parecem ser, à partida, as cores mais conjugáveis possíveis e capazes de tornar um equipamento de futebol num verdadeiro ícone do vestuário desportivo. Essas eram, porém, as cores da bandeira das Brigadas Internacionais que durante anos lutaram contra o regime fascista de Franco por Espanha. Um grupo militar internacional, anti fascista, que reuniu ativistas de vários países europeus, em especial de França e Alemanha, que voluntariamente decidiram aliar-se à resistência espanhola e combater a tirania do regime de Franco sob o lema “No Pasarán”. Estima-se que ao longo do período de atividade as Brigadas Internacionais tenham acabado por perder mais de dez mil homens em combate, tendo o governo espanhol garantido amnistias e cidadania espanhola em 1996 a todos os ex combatentes ainda vivos.
Foi precisamente na iconografia e slogan das Brigadas Internacionais que o Clapton CFC baseou um dos seus equipamentos para a nova temporada e o impacto em Espanha foi brutal ao ponto do volume de tráfego cibernautico gerado pelo Clapton ter bloqueado o site do clube. O clube, que estava preparado para vender apenas 250 camisolas durante toda a temporada, recebeu já milhares de encomendas e a receita ascende a quase cem mil euros. “Não esperávamos que o nosso clube minúsculo acabasse por ser notado pelos adeptos de futebol em Espanha, mas estamos orgulhosos”, confessou o designer do equipamento à BBC, com o clube a garantir que parte das receitas irá reverter a favor de iniciativas que promovam a luta contra a discriminação, bem como a subsistência das organizações que trabalham em prol da memória de todos os ingleses que voaram até Espanha para ajudar no combate ao fascismo e que integraram as Brigadas Internacionais.
A euforia espanhola com o equipamento do Clapton começou desde que o clube se apresentou na pré temporada num amigável em final de agosto. Se nas bancadas estavam apenas 232 pessoas, não foi por isso que o equipamento deixou de se tornar viral. O clube foi inundado por pedidos de informações e encomendas vindas de Espanha, o site “crashou” e nas redes sociais o Clapton viu-se obrigado a passar a twittar em… espanhol. O volume de encomendas obrigou ainda o clube a subir o preço das camisolas de 25 para 30 libras já que no mesmo teve de passar a ser cobrado IVA. “Eu quis desenhar algo que honrasse a importância e o sacríficio de todos aqueles que lutaram contra o fascismo”, explicou ainda o designer. Nem a marca que produz os equipamentos foi escolhida ao calhas, com o clube a enveredar por uma pequena marca italiana devido ao facto da mesma ter uma forte componente ética, utilizando materiais muito específicos e de outras companhias que enveredam por um certo tipo de fair play económico e ecológico. Uma empresa que encontrou em clubes como o Clapton CFC o seu nicho, clubes especializados na luta contra o racismo, fascismo e discriminação.
Fundado na temporada passada como resposta à direção do histórico Clapton FC que tentou liquidar a fundação que gere o The Dog, o clube comunitário Clapton CFC, detido por adeptos, tem na sua génese o combate ao “futebol moderno” e é um bastião da luta anti fascista, da repressão contra as políticas de extrema direita e de apoio aos migrantes. Não é, por isso, surpresa, que o clube tenha optado por surgir na temporada com as cores de um conhecido grupo anti fascista da primeira metade do século XX, honrando os oitenta anos do final da Guerra Civil Espanhola, tendo o clube se juntado à Middlesex County League, décima segunda divisão do futebol inglês, três divisões abaixo da disputada pelo Clapton FC.
“Sempre fomos conhecidos por sermos um grupo de adeptos que não aceita o racismo, o sexismo e a homofobia portanto este equipamento fez todo o sentido”, explica o clube que espera que nos próximos dois meses tenha conseguido dar seguimento a todas as encomendas que recebeu.