Spike Lee fala ao ‘Estado’ de ‘Infiltrado na Klan’, filme libelo contra a segregação racial

Longa será exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em outubro

Do Mariane Morisawa, do Terra 

Getty Images / Pascal Le Segretain

LONDRES – Spike Lee reluta um pouco a falar sobre o presidente americano Donald Trump, a quem se recusa a chamar pelo nome – é o Agente Laranja. Mas é um assunto inevitável porque seu novo filme, Infiltrado na Klan, vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2018, fala disso diretamente, apesar de se passar nos anos 1970.

O filme, que deve estrear no Brasil em 22 de novembro e será exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em outubro, é baseado na história real de Ron Stallworth (John David Washington, filho de Denzel), o primeiro policial negro na cidade de Colorado Springs, que se infiltrou na Ku Klux Klan (organização que defende a supremacia branca), com a ajuda de seu parceiro branco Flip Zimmerman (Adam Driver).

Quando Lee estava preparando o longa, que lhe foi oferecido pelo diretor de Corra!, Jordan Peele, aconteceu Charlottesville – o comício da ultradireita que terminou com uma mulher morta e que Trump evitou condenar, dizendo que havia “pessoas boas em ambos os lados”. Cenas acabaram entrando no filme, relacionando aquela época com a de hoje. Na entrevista ao Estado, em Londres, Lee ficou animado de falar sobre o Brasil.

O filme está sendo descrito como o primeiro da era Trump.

O Agente Laranja?

Sim. O filme é uma resposta ao atual governo?

Peele me ligou pedindo para eu fazer, eu disse OK. Daí, eu e meu corroteirista Kevin Willmott pensamos em maneiras de fazer um filme contemporâneo que se passe nos anos 1970. Aí, aconteceu Charlottesville, que deu um final para o filme. O Agente Laranja fez aquela coisa idiota, que está no filme; então, ele se infiltrou.

Por que incluiu …E o Vento Levou e O Nascimento de Uma Nação?

São filmes considerados marcos do cinema americano. Mas …E o Vento Levou romantiza a Guerra Civil no Sul. Agora, de fato, a tomada que está no filme é uma das melhores de todos os tempos. O mesmo com O Nascimento de Uma Nação. D.W. Griffith é considerado o pai do cinema. E esse é um assunto essencial hoje: podemos separar a arte do artista? É uma questão individual. Vi …E o Vento Levou numa excursão da escola, e o professor não tinha ideia do impacto que teria nos alunos negros. Na faculdade de cinema, O Nascimento de Uma Nação foi o primeiro filme exibido. Eles só se esqueceram de mencionar como ele revitalizou a Klan. Acho que é preciso contar a história completa.

No Brasil, durante a ditadura militar, a arte floresceu.

A música! Gilberto Gil, Caetano Veloso. Milton Nascimento. Eles tiveram de fugir para Londres!

Crises geram boa arte?

Acho que sim. Historicamente, grandes trabalhos foram feitos em tempos difíceis. Nos Estados Unidos, durante o movimento pelos direitos civis, tivemos Aretha Franklin, Curtis Mayfield… Hoje, não é diferente. Vivemos num mundo em que há uma crise todos os dias. Um dos meus cineastas favoritos não era brasileiro, mas fez Pixote – A Lei do Mais Fraco: Hector Babenco. Um cara bacana. Qual o nome da favela em que fiz o vídeo do Michael Jackson?

Dona Marta.

Você sabe a história? Para garantir a segurança do Michael, tivemos de falar com o chefe do morro (Marcinho VP). Porque a polícia não subia. Uma mulher que dirigiu Cidade de Deus (Kátia Lund) era quem falava com ele. Foi assim que ela ficou interessada no assunto. Então, coloque aí: Michael Jackson foi o responsável pelo filme Cidade de Deus. Não conheci o chefe. Mas ele mandou me dizer que, se escolhêssemos rodar esse vídeo com Michael lá, podíamos colocar US$ 1 milhão na rua, equipamento, e ninguém ia tocar em nada. “Este vai ser o lugar mais seguro do mundo enquanto Michael Jackson estiver aqui.”

E foi o que aconteceu?

Pode apostar que sim! (risos)

Você fazia um documentário sobre o Brasil. O que aconteceu?

Um dia, a verdadeira história vai vir à tona. Ainda tenho as imagens.

Problema com a produtora?

Sim. Eles não gostaram do caminho que o filme estava tomando.

Politicamente?

Sim. É uma pista (risos). Espero que um dia o filme veja a luz do dia.

John David Washington diz que aprendeu com o esporte a ter resistência e resiliência, vitais para a carreira de artista

John David Washington começou a carreira de ator aos 6 anos, fazendo um dos alunos que diz “Eu sou Malcolm X” no filme sobre o ativista dos direitos civis dirigido por Spike Lee e estrelado por seu pai, Denzel Washington. De lá até conseguir ser o protagonista de Infiltrado na Klan, foi um longo caminho, com um grande desvio no meio: uma carreira no futebol americano. “Sempre quis ser ator. Mas precisava me expressar. Provar para o mundo que eu não estava ali por ser filhinho do papai, eu era independente”, disse Washington, de 34 anos, em entrevista ao Estado, em Londres.

“O futebol serviu para essa busca de independência. Foi dolorosa, sofri fisicamente. E também mentalmente, sendo rejeitado. Mas me preparou para agora. Me tornei um homem por causa do futebol. Quis ser ator minha vida toda, mas tive de passar pelo que passei para estar aqui agora.” Ele atribui ao futebol qualidades que acredita serem fundamentais para um ator: resistência e resiliência, além de carapaça contra críticas.

Um tendão de aquiles estourado pôs fim à sua carreira não tão bem-sucedida no futebol. Seu amigo e agora agente arrumou então um teste para a série Ballers, da HBO, e assim sua carreira como ator deslanchou. Ele também está em Monsters and Men, que vai ser exibido no Festival de Toronto, e The Old Man & The Gun, que está no Festival de Veneza. “Nunca me senti tão em casa.”

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