“Clóvis Moura e o Brasil” de Márcio Farias: Resenha crítica sobre um livro que já nasceu clássico!

“Clóvis Moura e o Brasil” [Editora Dandara, 2ª edição, 2024] de Márcio Farias, é um livro corajoso, sobre uma obra de um autor corajoso. Com uma premissa refinada e objetiva, em sanar a lacuna ensaística referente ao conjunto intelectual de Clóvis Moura [1925-2003]. Produção bibliográfica de caráter introdutório em relação a obra mouriana, ao mesmo tempo em que apresenta análise crítica sobre um pensamento social tão seminal, não só ao universo da pensata nacional, mas enquanto obra de interpretação nacional. 

Farias, desenvolve uma discursiva em que situa de maneira nítida, em uma verve provocativa – mas sempre instigante – a centralidade e atualidade da produção intelectual de Moura. Para se buscar analisar, compreender, problematizar a sua pensata, a partir daquilo que fomos, somos e, principalmente potencializar, aquilo que poderemos vir a ser enquanto povo e nação. No sentido de que não se consegue interpretar o Brasil sem Clóvis Moura e o seu recorte histórico-sociológico, de cunho marxista dialético e revolucionário. 

Essa inserção e colocação pública da centralidade da obra e práxis de Moura, é momento ímpar das Ciências Humanas nacionais, ao qual a sua publicação original em 2019 se faz como marco inicial e aglutinador de todo esse resgate e novas interpretações sobre os legados e sentidos da quilombagem intelectual mouriana. 

Livro farol que iluminou todo um Irromper referente a série de teorizações, que acabaram por constituir toda uma esfera de debates e campo de estudos acerca da pensata de Moura. Que dialeticamente, acabaram por influenciar na concepção e reescrita dessa nova edição do livro. Como que pontuando o novo momento de recepção e circulação, da contemporaneidade e representação desse insurgente conjunto intelectual. Da sua práxis, enquanto pensamento social, desde sempre negra, antirracista, humanista, marxista e antissistema. 

Obra essa que deve ser (re)lida, sempre, tanto por aqueles que almejam ter os primeiros contatos com ela, quanto por aqueles que já estão familiarizados as chamas de efervescência intelectual mourianas, como tão bem nos demonstra Márcio Farias, ao abordar os amiúdes e pormenores que a constituem enquanto tal. Através de um exercício crítico desenvolvido em quase prosa, de tão fluído e nítido, sem nos deixar em dúvida – nem nos deixando acomodar em lugares comuns – enquanto vamos nos aprofundando mais e mais em sua proposta teórica, em seu processo analítico interpretativo em relação ao conjunto intelectual e político de Moura.

Não podendo por isso, haver referencial teórico melhor do que esse, quando se busca ter uma maior compreensão do que foi/é a vida e obra desse autor tão seminal. Seguramente, uma das mais belas homenagens – em seu exercício crítico – ao legado de um autor ainda aquém de seu devido, e merecido, reconhecimento. 

Produção bibliográfica acerca de uma trajetória intelectual de coragem, originalidade e excelência, repleta de desafios e obstáculos. Em meio as celebrações ao centenário de nascimento de Moura, fica a indicação, mais que recomendada, para a leitura desse livro primoroso! Escrito por um intelectual negro, que analisa o conjunto intelectual de um outro autor negro, por uma editora negra, num país tão racista e elitista como o nosso! 

Não foi e não é fácil, romper o epistemicídio intelectual aos grupos socialmente e historicamente minorizados no Brasil. Mas Márcio Farias, conseguiu esse feito, através da publicação desse livro que já nasce clássico, ao resgatar o legado do Exú sociológico, mais vivo e atual do que nunca, chamado Clóvis Moura! 

 “Clóvis Moura e o Brasil” lhe espera… Você não irá se arrepender! Boa leitura!


Christian Ribeiro

Sociólogo, mestre em Urbanismo, doutorando em Sociologia pelo IFCH-UNICAMP. Professor titular da SEDUC-SP, pesquisador das áreas de negritudes, movimentos negros e pensamento negro no Brasil. Membro do grupo de pesquisa “Pensamento social: contextos, instituições, intelectuais e movimentos” do IFCH/UNICAMP.


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