A principal estratégia utilizada é na exigência do cumprimento efetivo de leis que propiciam a entrada e permanência de negros e negras na universidade
Por Glenda Dantas, da UFBA
No Nação Z
Foto retirada do site Nação Z
Você conhece o Coletivo Luiza Bairros? Não? São professores, técnicos, servidores e estudantes negros e negras da comunidade UFBA, que integram em um grupo de combate ao racismo institucional na UFBA, e pauta principalmente, a implementação das cotas nos mestrados e doutorados de todos os cursos da universidade. Eles exigem também o cumprimento efetivo de leis federais, como a das cotas nos concursos para professor. Tudo isso para mudar as estruturas da pirâmide étnico-racial. Mas que pirâmide é essa?
De acordo a professora adjunta do Instituto de Letras e membra do coletivo, Denise Carrascosa, a pirâmide está posta da seguinte maneira:
“No topo da pirâmide se encontram, em geral, as pessoas de classe média, brancas e homens, que dirigem a universidade. Logo após vem o corpo docente, composto por mais de 90% de professores brancos. Abaixo, encontram-se as técnicas e técnicos administrativos, sendo um híbrido étnico-racial. Posteriormente, temos o corpo discente, que está sendo enegrecido desde a instauração das cotas em 2005, com a entrada de negros, quilombolas e indígenas. No final da base encontram-se as funcionárias e funcionários terceirizados, cuja maioria são mulheres negras e pobres”, descreveu.
Ilustração retirada do site Foto retirada do site Nação Z
Denise, que também é advogada, explica ainda que os dados referentes à quantidade de professores foi obtido, a partir de um censo estatístico produzido pelo próprio coletivo: “Não há um censo oficial da Reitoria. Os dados que possuímos foram obtidos a partir de um mapeamento inicial que realizamos”. Ela pontua que a pirâmide étnico-racial da UFBA “reflete a estrutura do racismo institucional e social que estrutura toda a sociedade (brasileira)”.
Atuações na UFBA
A agenda programática do Coletivo Luiza Bairros (CLB), lançada em 7 de outubro de 2016 e assinada por lideranças do Movimento Negro e do Movimento de Mulheres Negras da Bahia, propõe três pontos principais de pauta: ações afirmativas na pós-graduação, formação antirracista e pensar uma nova epistemologia na universidade.
Cada uma dessas pautas beneficia um público diferente. A discente do programa de doutorado em literatura e cultura do Instituto de Letras, Maria Dolores Rodriguez, por exemplo, foi aluna de mestrado da primeira turma da UFBA que garantiu o cumprimento da reserva de vagas.
“Na minha turma tinha um homem transexual negro, uma travesti, vários alunos negros e nós acabávamos por educar os professores também, pois a gente propunha debates e levava uma nova epistemologia com base em outras fontes que não só as eurocêntricas”, declarou Dolores.
O cumprimento da portaria 13/2016 do MEC para implementação das cotas na Pós-graduação é o primeiro ponto de pauta do coletivo, que propôs manifestos à Reitoria. Esta meta já foi alcançada em alguns institutos da universidade. Entretanto, Carrascosa afirma que a inserção precisa estar atrelada ao processo de permanência dos estudantes. “As bolsas precisam ser distribuídas não por meritocracia, mas sim para as pessoas que são vulneráveis economicamente, que em sua maioria são negras, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e transexuais”.
Além disso, o CLB reivindica ainda a aplicação da Lei 12.990/14, que reserva aos negros 20% das vagas nos concursos públicos de administração federal. A precariedade na aplicação da lei na universidade foi denunciada no “Manifesto pelo Enegrecimento do Corpo Docente da UFBA”, entregue à reitoria “no dia 09 de março deste ano, no intuito de aceleração desse enegrecimento, para que, inclusive, compense as perdas que tivemos ao longo desses quatro anos de não aplicação da lei”, declarou o Coletivo.
Formação antirracista
Promover uma formação política antirracista, através de rodas de conversa e oficinas é o segundo ponto de pauta da agenda programática do coletivo, que faz isso através da criação de ambientes de debate e combate fundamentados para a comunidade acadêmica e extensivos à comunidade negra que deseja se relacionar de modo “empoderado” com a universidade pública.
O graduando de Direito e membro do CLB, Vítor Marques, pontuou que “o espaço de luta dentro da universidade, além da militância, perpassa também a formação política, e é isso que propomos com os eventos”.
De abril a novembro de 2018 ocorre o Ciclo Formativo Antirracista 2018, que já discutiu em dois encontros “O que significa ser negrx na UFBA?” e “Identificação e combate ao Racismo do ponto de vista jurídico”, e reuniu dezenas de pessoas no Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), onde ocorrem a maioria dos encontros do coletivo.
“Aqui podemos conversar, discutir e trabalhar as questões que envolvem o povo negro, mas além disso estimulamos e tornamos conhecidas as formas de reação, seja individualizada, coletiva ou política, para que possamos agir melhor fundamentados nas opressões que nos atingem e nos atacam”, acrescentou Vítor.
Pensar uma nova epistemologia
“A Faculdade de Direito da UFBA (FDUFBA), assim como todos os institutos da universidade, é um espaço que continua a centralizar sua epistemologia em teóricos norte-americanos e europeus. Nós não estudamos nada do que é produzido na América Latina, África e na Ásia”, garantiu Lilaise dos Santos de Deus, discente do 10º semestre de Direito da UFBA. Ela acrescenta que, até hoje, só estudou com 6 professores negros: “É um número muito pequeno comparado a quantidade de professores brancos que a faculdade possui”.
O terceiro ponto de pauta da agenda programática é a exigência do cumprimento das leis 10.639/03 e 11.645/08, que incluem no currículo oficial da rede nacional de educação o ensino sistemático de história e cultura africana, afrodiaspórica e dos povos indígenas.
A primeira professora negra da FDUFBA, Tatiana Emilia Dias Gomes, explicou no Ciclo Antirracista que é necessário garantir o funcionamento das leis para “horizontalizar a produção do conhecimento”. Pensamento compartilhado com a Promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia, Lívia Vaz, que acrescentou que “nós [negros] não temos os mesmos direitos e estamos sendo impedidos de exercer a nossa liberdade, então é extremamente importante as apropriações das ferramentas jurídicas para o enfrentamento ao racismo, em todas as suas formas”.
Influência do CLB em outros espaços
O coletivo mantém um diálogo constante com discentes, docentes e funcionários de outras universidade e institutos federais, para promover trocas de experiências e formas de combate ao racismo institucional. Segundo Denise Carrascosa: “o coletivo está conversando com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que é pioneira na iniciativa das cotas”. Ela pontua também que o desenvolvimento dos debates relacionados ao racismo institucional está sendo possível, pois “é um movimento de grande parcela da sociedade brasileira que já chegou ao limite”.
Quem foi Luiza Bairros?
O coletivo leva o nome de Luiza Bairros, ex-ministra da Igualdade Racial do governo Dilma Rousseff, que faleceu há 2 anos. Gaúcha, Luiza inspirou o nome do coletivo pelo seu histórico de militância negra e feminista na Bahia. Ela era radicada em Salvador desde 1979 e formada em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado em Ciências Sociais pela UFBA e doutorado em Sociologia pela Universidade de Michigan.