Nota de repúdio contra resolução do Incra que viola direitos quilombolas

Ao reduzir o território por ato administrativo, sem consulta prévia da comunidade, o órgão atenta contra a cidadania não só dos quilombolas de Mesquita, mas de todas as comunidades quilombolas do Brasil

Do  INESC

Imagem retirada do site da INESC

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) vem a público manifestar o seu repúdio à resolução Nº 12, de 17 de maio de 2018, que reduz em 82,3% o território quilombola de Mesquita, em Goiás.

Entendemos que esta medida, publicada em 24 de maio no Diário Oficial da União (DOU), é flagrante do racismo institucional e apropriação da coisa pública por interesses privados, na media em que a referida resolução ignora diversos procedimentos administrativos previstos em lei que ajustam o processo de regularização fundiária de territórios quilombolas no Brasil.

Sem consultar de forma ampla a comunidade, como previsto na Convenção 169 da OIT (da qual o Brasil é signatário), e ignorando anos de acúmulo e estudos produzidos, o Incra reduziu para 761 hectares uma área de 4,3 mil hectares, contrariando o que foi previamente definido por meio do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).

O RTID, de responsabilidade do próprio Incra, é um estudo multidisciplinar previsto em lei como parte do processo de regularização fundiária de territórios quilombolas, e é um dos procedimentos necessários para a titularização definitiva da área.

Ao reduzir o território por ato administrativo, sem consulta prévia, livre e informada da comunidade, o órgão atenta contra a cidadania não só dos quilombolas de Mesquita, mas de todas as comunidades quilombolas do Brasil.

Previsto na Constituição de 1988, o direito quilombola aos seus territórios foi regulamentado pelo Decreto 4887, de 2003, e pela Instrução Normativa 57, de 2009. E não se restringe ao acesso à terra, mas engloba o direito à história e à possibilidade de garantia de reprodução sociocultural das comunidades quilombolas.

A promoção dos direitos quilombolas tem, ainda, cunho reparatório, uma vez que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão, sem garantir a inserção socioeconômica dos brasileiros descendentes de africanos escravizados, que sempre lutaram contra a opressão a eles imposta. A Constituição de 1988 finalmente incluiu esses brasileiros como sujeitos de direitos, mas ainda temos um longo caminho para a superação do racismo estrutural característico de nossa sociedade.

Para garantir interesses de fazendeiros e empresas privadas, o referido ato do Incra promove a violação de direitos humanos dos quilombolas de Mesquita, bem como abre precedente para o descumprimento dos procedimentos legais que visam garantir ao povo brasileiro, principalmente o povo negro, o seu direito à história, ao presente e ao futuro.

O Inesc tem atuado junto aos adolescentes quilombolas naquele território desde 2012, buscando dialogar sobre direitos humanos, com foco no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Nessa experiência, pudemos conhecer a dinâmica cultural local, a preservação do Rio Bartolomeu, a produção de alimentos orgânicos, a cultura do marmelo e os festejos religiosos da comunidade. São riquezas que ultrapassam a lógica de mercado que querem impor à comunidade com a redução de seu território.

Em um momento de profunda crise econômica e política, onde o capital avança sem considerar o bem-estar das pessoas, em que os direitos socioambientais são ameaçados, ressaltamos que quilombo não é resquício, quilombo é presente, é resistência.

O Inesc seguirá acompanhando o caso, apoiando a comunidade de Mesquita e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

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