Com cotas, USP quadruplica número de estudantes negros e indígenas em 10 anos

Após adoção de cotas no Sisu e na Fuvest, porcentagem de calouros da USP que estudaram na rede pública saltou de 35% para 40%; meta para esse ano é chegar a 45%.

Foto: Natalia Dourado/Reprodução USP

A Universidade de São Paulo (USP) conseguiu quadruplicar o número de estudantes de graduação que se declaram pretos, pardos ou indígenas entre 2010 e 2019.

Dados consolidados sobre o perfil de calouros da USP obtidos pela TV Globo mostram que, no ano passado, o número de calouros negros ou indígenas chegou a 25,2% do total, contra uma participação que variou entre 5% e 6% em 2010, segundo informações aproximadas divulgadas pela Pró-Reitoria.

Em 2019, a instituição também conseguiu cumprir sua meta autoimposta de ter 40% de seus calouros oriundos de escolas públicas. Foi o recorde de participação dos alunos da rede pública, e um aumento de cinco pontos percentuais em relação à taxa registrada há cinco anos, em 2015.

Vinicius Santos Matos, de 22 anos, preenche os dois requisitos. Nesta sexta-feira (24), ele descobriu que foi aprovado para o curso de matemática aplicada na USP via Fuvest, na cota para estudantes de escola pública pretos, pardos ou indígenas.

O resultado veio depois de um ano trabalhando durante as madrugadas para poder pagar os gastos com deslocamento de sua casa, no bairro do Tremembé, na Zona Norte, até o Glicério, no Centro, onde ele foi um de cerca de 60 alunos de um cursinho comunitário gratuito, que conta com a ajuda de 40 professores voluntários e dá aulas de segunda a sexta-feira, das 18h45 às 22h30, além de nos sábados.

Democratização do acesso à USP — Foto: Ana Carolina Moreno/TV Globo

Ampliação acelerada

A democratização do acesso à graduação “faz muito bem para a universidade, muito bem para os estudantes e promove um crescimento”, afirmou o professor Edmund Chada Baracat, pró-reitor de Graduação da USP. “Agora é importante que o mérito, a qualidade e a excelência do ensino que a USP preza seja mantida.”

O desafio, agora, é ver esse mesmo avanço registrado entre 2015 e 2019 se realizar em apenas um ano, já que a meta da USP para 2020 é que o número de calouros de escola pública chegue a 45%. Muitas dessas vagas começaram a ser preenchidas nesta sexta-feira (24), com a divulgação da primeira chamada da Fuvest, que ofereceu 8.317 vagas.

Outras 2.830 estão sendo disputadas via Sistema de Seleção Unificada (Sisu), plataforma do Ministério da Educação que usa as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para selecionar os candidatos.

Bônus x cotas

A USP começou a pensar em políticas de ação afirmativa há 15 anos. De início, a opção foi pelo bônus, um sistema pelo qual todos os candidatos concorrem às mesmas vagas, mas alguns deles ganham um acréscimo na nota, caso se encaixem em determinados critérios, como ser aluno de escola pública. A ideia é que, pelos pontos extras, eles tenham mais chances de competir com os estudantes mais preparados, principalmente os que estudaram nas melhores escolas particulares.

“Em 2006, a USP aprovou o Programa de Inclusão Social – INCLUSP – com o objetivo de buscar alternativas ao quadro de exclusão social que dificulta o ingresso de estudantes dos segmentos sociais menos favorecidos na Universidade”, explicou a Pró-Reitoria de Graduação, em nota à TV Globo.

“Colocado em prática a partir de 2007, o INCLUSP tinha como objetivo incentivar a maior participação de estudantes egressos do ensino médio público no vestibular e ampliar o ingresso e o apoio à permanência desses estudantes na USP a partir de ações antes, durante e depois do vestibular.”

No período de quase uma década, entre 2007 e 2015, o plano fez com que a porcentagem de alunos da rede pública aumentasse de 26,7% para 35,1%. Já o número de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas chegou a dobrar, mas ainda era baixo, de cerca de 12%.

A partir de 2016, a USP passou a adotar outra política de ação afirmativa: a cota. Nesse formato, as vagas são divididas em modalidades diferentes, segundo critérios sociais e/ou raciais. No caso da USP, há combinações de cotas para estudantes de escola pública, estudantes que se declaram pretos, pardos ou indígenas, e também critérios de renda.

Metas até 2021

Junto com a política de cotas, a USP instituiu metas anuais de ampliação do número de alunos de escola pública até chegar a metade do total de calouros em 2021. Neste ano, a meta é de 45% desse total.

Já em 2019, a meta foi de 40%. Segundo a Pró-Reitoria de Graduação, a universidade conseguiu bater a meta na média geral, mas quatro das 42 unidades da instituição ficaram ligeiramente aquém da meta: Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Pirassununga (34%), Escola de Educação Física de Ribeirão Preto (38%), Escola de Enfermagem em São Paulo (39%) e Escola de Engenharia de Lorena (39%).

Dentro do total de calouros de escola pública, há uma segunda meta a ser cumprida: 37,% deles devem ser pretos, pardos ou indígenas. Nesse quesito, 41 das 42 unidades cumpriram a meta. A única que ficou aquém do planejado foi a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Pirassununga, com 36% de ingressantes negros ou indígenas.

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