Como 5 escolas de samba vão abordar a situação do Brasil no Carnaval 2020

Como de costume, desfiles da Marques de Sapucaí no Rio de Janeiro vão trazer temas de forte voltagem e cutucar governantes

Por Denise Ribeiro, do Exame

Foto do carnaval da mangueira (Imagem: Mangueira/Divulgação)

Se a única certeza do brasileiro é que todo ano tem carnaval, a única certeza do carnaval é que de alguma forma o clima social e político do país estará refletido na avenida.

2020 não será diferente, a julgar pelo que divulgaram as escolas que desfilam na Marques de Sapucaí. Haverá referências ao presidente Jair Bolsonaro e ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcello Crivella, que vem cortando seu apoio ao carnaval.

Em 2016, a prefeitura repassou R$ 2 milhões para cada agremiação do grupo especial. No ano seguinte, já sob Crivella, a quantia foi cortada pela metade. No ano passado a prefeitura pagou R$ 500 mil por escola, e neste ano o corte foi total.

Bispo licenciado, Crivella é acusado de não gostar da festa. Nos dois primeiros anos de mandato, ele não foi aos desfiles. Em 2018, decidiu viajar para Europa durante os dias de folia.

Foi o ano em que com o enredo “Prefeito, pecado é não brincar o carnaval”, a Mangueira representou Crivella como “Judas”, com a imagem dele na forma de um boneco enforcado.

Quem defende o apoio para a festa costuma destacar o seu impacto econômico para a cidade, que deve receber 1,9 milhão de turistas no período de pré-carnaval e carnaval em 2020, segundo a prefeitura.

O Rio de Janeiro aparece no topo do ranking dos estados onde o carnaval mais gera impacto, segundo estimativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com 32,5% dos 8 bilhões previstos para o país inteiro. Em seguida vêm São Paulo e Bahia.

A ocupação na rede hoteleira do Rio de Janeiro estava em 70%, na primeira semana do ano e a previsão é que chegue a 100% durante o carnaval, de acordo com o presidente da Riotur, Marcelo Alves.

Veja algumas das escolas que vão incorporar temáticas atuais no seu desfile:

Mangueira

A Mangueira, campeã do carnaval do Rio de Janeiro em 2019, vai apresentar na avenida a figura de um Jesus Cristo como minoria.

“Eu quis construir várias faces de Jesus Cristo. Ela vai se apresentando como a extensão de muitos corpos, sobretudo corpos vulneráveis, de pessoas oprimidas no Brasil recente, figuras que muitas vezes não são contempladas pelas políticas públicas. Índios, mulheres, pessoas em situação de rua, moradores de favelas”, destacou o carnavalesco Leandro Vieira.

O tema é “A verdade vos fará livre”, referência a um versículo da bíblia frequentemente citado por Bolsonaro. Também é mencionado o gesto de arma na mão, uma das marcas registradas do presidente.

“Favela, pega a visão. Não tem futuro sem partilha. Nem messias de arma na mão. Favela, pega a visão. Eu faço fé na minha gente. Que é semente do seu chão”, diz o trecho do samba.

“Em 2020 eu olho para o cenário político do país e acho que de alguma forma, para o avanço dessa política conservadora, a figura de Jesus foi colocada como uma espécie de “fiadora” dessa política [conservadora], a imagem de Jesus foi privatizada”, diz Vieira.

Ele venceu o carnaval em 2016, seu ano de estreia, e em 2019, levou o troféu pela segunda vez ao levar para a avenida personagens negros e indígenas que não eram representados nos livros de história, como Dandara, Luiza Mahin e Sepé Tiaraju, e ao homenagear a vereadora Marielle Franco.

Portela

Imagem: Portela/Divulgação

Com o enredo “Guajupiá, Terra Sem Males”, a escola vai retratar a história de indígenas que viviam no Rio de Janeiro antes da chegada dos colonizadores.

O enredo dos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage vai destacar a vida social, cultural, religiosa e política dos primeiros “kariókas”.

No decorrer do desfile, o contexto indígena vai se misturar com o atual cenário político, com críticas indiretas a Bolsonaro e Crivella.

“Índio pede paz, mas é de guerra. Nossa aldeia é sem partido ou facção. Não tem “bispo”, nem se curva a “capitão”, diz um trecho.

Vila Isabel

Assim como a Portela, a Vila Isabel também vai falar da questão indígena, mas neste caso para contar a história de Brasília, que completa 60 anos no mês de abril. Em um sonho, um curumim pega carona no voo de um pássaro e chega a Brasília, um tipo de terra prometida.

A escola vai mostrar os candangos que construíram a cidade, a arquitetura da cidade, os aspectos religiosos, além do ex-presidente Juscelino Kubitschek que será representado como um cacique.

Ainda que o enredo “Gigante pela própria natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasil” aborde um tema de alta voltagem no governo Bolsonaro, a escola diz que não é sua intenção polemizar:

“Não nos propomos a fazer nenhuma crítica política, apesar de Brasília ser o centro do poder. Foi uma escolha do carnavalesco e eu acho que foi acertada porque o momento é de muita efervescência e a gente poderia tomar um lado e não queríamos isso”, diz o diretor da escola, Wilson Alves.

O enredo da escola foi escolhido após uma conversa com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que prometeu um repasse de verba, mas ainda não cumpriu o acordo, segundo a Vila Isabel.

São Clemente

O enredo “O Conto Do Vigário”, da São Clemente, vai contar uma história que começa na cobiça pelo ouro em Minas Gerais e chega na disputa de duas paróquias pela imagem de Maria.

Também serão mencionadas a Operação Lava Jato, os “marajás em Bangu”, a “mamata” e as candidaturas laranjas.

“Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu / E o país inteiro assim sambou / Caiu na fake news”, diz um outro trecho.

O samba foi feito com ajuda do humorista Marcelo Adnet, que torce pela escola desde os anos 80.

Mocidade Independente

Imagem: Mocidade Independente/Divulgação

“Laroyê e mojubá liberdade. Abre os caminhos pra Elza passar. Salve a mocidade. Essa nega tem poder”.

O trecho vai abrir a homenagem da Mocidade para a cantora Elza Soares. Foi ela quem gravou o samba “Salve a Mocidade”, além de ter desfilado várias vezes pela escola.

O enredo “Elza Deusa Soares” vai trazer a história da mulher negra e pobre que chegou ao topo da carreira apesar de todas as adversidades.

Uma das compositoras do samba-enredo é Sandra de Sá, e o trabalho é do carnavalesco Jack Vasconcelos, conhecido pelo desfile do Paraíso do Tuiuti sobre a escravidão, em 2018.

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