Como a maternidade regula a vida sexual e afetiva das mulheres

Que a maternidade é uma ferramenta de opressão violenta contra as mulheres, eu já cansei de falar. Mas gostaria hoje de entrar numa questão específica, sobre isso, entre tantas possibilidades de tolir e violentar as mulheres, a narrativa romântica sobre a maternidade relacionados a forma como as mulheres mães estabelecem suas relações afetivas/sexuais é algo que pouco falamos, e que ao mesmo tempo atravessa gerações causando estragos subjetivos de todos os tipos, inclusive jogando essas mulheres reféns de relações abusivas e violentas.

O fato é que ao pensar nisso, nem a monogamia nem a não monogamia dão conta do que é mesmo essa compulsoriedade conjugal na vida de uma mulher que é mãe.

A que me refiro?

Conversando com um boy, falávamos de uma amiga em comum. Uma mulher que é profissional autônoma, que se sustenta, vinda de uma relação abusiva, e com um filho com mais de 10 anos.

O comentário dele sobre ela:

[…ah porque eu percebo que ela não consegue se libertar, de um formato tradicional de relação. Eu vejo que ela procura alguém idealizado, que encaixe perfeitamente na vida dela. E ai fica se submetendo a relação que não precisavam durar tanto.]

Quando esse homem faz essa análise me parece que ele desconsidera uma série de coisas aí no meio desse caminho, que na verdade constroem essa realidade.

Quando uma mulher com filhos é mãe solo, primeiro pensamos quão desigual é a partilha de obrigações e cuidados com essas crianças, mesmo com pai dentro de casa,imagina quando esse casal se separa.
Depois, é interessante a gente marcar o que uma sociedade faz com mães que optam por tentar reconstruir suas vidas afetivas e sexuais.

E aqui me cito como exemplo, fui acionada juridicamente pelo pai da minha filha e um dos argumentos que ele usa para tentar desqualificar da minha vivência materna é justamente essa narrativa conservadora, machista sobre como vivo minha vida afetiva/sexual: trocando de parceiros. Essa é a expressão usada. E isso está numa ação judicial. E como as mulheres ficam diante disso? Contando que ação caia nas mãos de uma juiz ou juíza minimamente situadx sobre os debates anti-machistas para que eu não seja de fato julgada como mãe pela minha suposta trocas sucessivas de parceiros.

Agora vocês imaginem a que tipo de coisa está exposta uma mãe que se assume como uma mulher não monogâmica. Temos vários casos de ações de guarda que usam isso como argumento para tentar desqualificar a mulher enquanto mãe.

Percebo que ainda é inaceitável o mínimo de autonomia da mulher para a sociedade , que injeta uma série de culpas na mulher no que se refere tudo da vida de seus filhos e adoram usar de sua autonomia sexual e afetiva para dizer o quão prejudicados seus filhos podem ficar , caso ela seja uma mulher livre e ao invés de manter uma relação fixa e escolha não manter uma relação “séria” , e sim parceiros que ela se envolva em alguma medida.

Isso eu já tô falando de uma mulher privilégiada para conseguir escolher viver assim. Porque a realidade é que grande parte dessas mulheres que criam seus filhos em carreira solo, pouco apoio tem para criar um cenário favorável em que ela possa circular nos espaços sociais, conhecer pessoas para se envolver e manter relações fora de casa, para tudo isso é preciso uma minima rede de apoio, quanto menor for a criança mais distante a mulher está de poder escolher vivenciar sua vida sexual e afetiva com autonomia e plenitude

O que sobra para as mulheres? Para conseguirem reconstruir e vivenciar uma vida sexual e afetiva, precisam compulsoriamente, encontrar um parceiro e se submeter mesmo aquela relação. A sociedade de algum jeito – e aqui devemos considerar as variáveis culturais- aceita de uma forma menos pior a mulher que faz isso. Logo essa mulher se casa de novo, porque os programas com o novo companheiro vão ser dentro do que ela consegue organizar de alguma estrutura para os filhos dela.

Isso significa que os programas e os momentos serão dentro da casa que ela está com seus filhos que logo criarão um vinculo com esse novo sujeito, o que de algum jeito já a coloca no lugar de permanecer com ele.
E aí logo ela está casada novamente.

Não houve uma escolha, foi o que deu para fazer diante daquele contexto de uma mulher que tem demandas especificas de uma mulher que cria filhos sozinha, e dá conta de sua vida pessoal e profissional e sua casa.

Como pode um homem que não mora com os filhos, olhar para essa situação e entender em sua análise que o problema de como a mulher estabelece suas relações está simplesmente em uma escolha diante de tantas outras? quando na verdade se trata de uma falta de escolha , e que essa reflexão sobre isso , se quer chega nessas mulheres, elas apenas vão seguindo seus fluxos de necessidades e possibilidades afetivas e sexuais. E o fluxo naturalizado dessa sociedade patriarcal que utiliza da maternidade como ferramenta de opressão, é manter o corpo e a subjetividade da mulher que é mãe sob o domínio publico, de julgamentos com bases cristãs e conservadoras,extremamente machistas e misóginas que vislumbram boicotar a construção de autonomia sexual e afetiva dessas mulheres, fazendo manutenção de seu aprisionamento em normatividades violentas.

portanto, quando falamos de construção da autonomia sexual e afetiva, é bom que além do recorte de gênero/classe/raça, a gente entenda o lugar da maternidade nesse recorte. Caso contrario desconsideraremos variáveis completamente determinantes para compreender a condição específica de uma mulher mãe solo diante de relações monogâmicas ou não monogâmicas.

Lembro que numa relação que tive ao conversarmos sobre as formas de abrir uma relação, eu perguntei para o boy:

-ok pra vc se ao abrimos a relação vc fique com meus filhos pra eu sair com outro boy? Como seria isso para você?

Ele nem precisou me responder, o corpo dele fez isso antes.

Então é isso minha gente , por hj é só e pra mim é isso, QUE PÉ DE IGUALDADE É ESSE?

melhoremos

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

+ sobre o tema

Movimentos negros, educação patrimonial e o direito à cidade

O ano de 2020 foi marcado por protestos espalhados...

A vida de negros de classe média no Brasil e a perversidade branca de cada dia

Ser negro no Brasil não é nada fácil! Isso,...

Não seja tão dura com você! Um texto de amor em tempos tão difíceis

Nós não estamos vivendo tempos fáceis e normais e,...

Porque falamos tão pouco (ou quase nada) sobre o legado da escravidão negra nos estudos em Administração?

“Nesta história não há perpetradores..., apenas vítimas” (Santos, 2008,...

para lembrar

O vestido de fazer Cuscuz

Querido Dan, Essa carta consiste numa fração de amor traduzida...

Práticas educacionais: crescimento versus redução da desigualdade social

Introdução: Este trabalho, que tem como tema, desigualdade social e...

MaravilhElza

De ti não tenho fotinha, comprovação de que te...

O ser malungo e as parcerias para além do tumbeiro

Em poucas palavras, deixo aqui algumas reflexões sobre a música “Saudação Malungo” de Luedji Luna em parceria com Djonga e Dj Nyack. São poucas...

Por que não chamo minha mãe de pãe?

Por meu pai ter sido ausente em quase toda a minha existência, não saberia dizer em que momento a minha mãe foi mãe e...

Exposição: Imagens da Ancestralidade em tramas da pele

O Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia dando continuidade ao seu ciclo de celebração dos 70 anos da UFBA, apresenta a exposição “Imagens da Ancestralidade...
-+=