Para comunicadoras e especialistas, é imprescindível que países e os meios de comunicação invistam em ações de formação e acesso das mulheres ao direito humano à comunicação. Questões foram abordadas com base nas Conclusões Acordadas da CSW 47, cujas conclusões estiveram sob revisão durante a CSW 62
no ONU Mulheres
Mulheres e a mídia é uma das 12 áreas de preocupação do Plano de Ação de Pequim e foi o tema de revisão da 62ª Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres (CSW 62), que se encerrou em 23 de março, em Nova Iorque. O tema foi discutido entre as pautas de revisão das Conclusões Acordadas na 47ª sessão da CSW, realizada em 2003.
Violência contra mulheres jornalistas e nos meios de comunicação e digitais, políticas de acesso à ciência e tecnologias de informação, estereótipos de gênero e participação feminina nos espaços de decisão e poder no mercado da comunicação continuam a ser questões centrais. As discriminações contra profissionais de comunicação que atuam em áreas ainda muito masculinizadas do jornalismo – como a cobertura esportiva – também estiveram em debate.
Relatório apresentado pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, defendeu o avanço e o empoderamento das mulheres na participação e acesso delas à mídia e às tecnologias da informação e comunicação. O documento resume os progressos, lacunas e desafios relacionados com as medidas tomadas em nível dos países na implementação das Conclusões Acordadas, além das interações das resoluções de 2003 com as da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Durante a Comissão, aconteceram painéis ministeriais com apresentações voluntárias dos países sobre as medidas que vêm implementando para o cumprimento das Conclusões Acordadas na 47ª CSW. E o Brasil atuou como país-sócio da Argentina – sistematizando as ações desenvolvidas no território nacional.
Entre as resoluções sobre o tema mulheres e mídia aprovadas na 62ª CSW estão:
– o desenvolvimento e implementação de políticas e estratégias que promovam o acesso de mulheres e meninas rurais à mídia e às tecnologias de informação e comunicação (TICs), incluindo o fomento à alfabetização digital e acesso à informação;
– o reconhecimento do papel que a mídia pode desempenhar na conquista da igualdade de gênero e empoderamento das mulheres e meninas rurais, inclusive através de medidas não discriminatórias e de uma cobertura que elimine os estereótipos de gênero; incentivo à formação com perspectiva de gênero para profissionais da comunicação; desenvolvimento e fortalecimento dos mecanismos de autorregulação para promover representações equilibradas e não estereotipadas de mulheres e meninas, que contribuam para o empoderamento e a eliminação da discriminação e exploração de mulheres e meninas que vivem fora das áreas urbanas dos países.
Comunicação para empoderamento das mulheres – Mara Régia, jornalista, apresentadora e criadora do programa ‘Viva Maria’, na Rádio Nacional da Amazônia, festeja a consolidação do tema Mulheres e Mídia nas agendas de desenvolvimento da ONU. “Porque você não empodera ninguém sem garantir acesso à comunicação, que é visibilidade, poder. Não por acaso são raras as mulheres nas cúpulas dos meios de comunicação. Este é um tema fundamental”, frisa.
Mara também saúda o fato de as mulheres e meninas rurais terem sido o foco da 62ª CSW e sinaliza, na realidade delas, a importância do direito humano à comunicação. “Elas são as que mais padecem não só dos efeitos de uma comunicação e uma mídia que nem sempre coloca o foco no valor essencial dessas bravas guerreiras para as vidas de todos nós, como também do isolamento. Então, dar foco ao empoderamento das mulheres rurais pela tecnologia é fundamental. Enquanto elas continuarem alijadas desses processos tecnológicos e não tiverem acesso a uma linha de crédito para desenvolvimento do seu trabalho, não haverá empoderamento. Essas mulheres não têm acesso ao básico, e no contexto da mídia o básico é acesso”, avalia.
O ‘Viva Maria’ é o mais longevo programa de radiodifusão voltado aos direitos das mulheres, tendo iniciado suas transmissões em 1981. Mara foi também uma das articuladoras da campanha pela criação do Dia Latino-Americano e Caribenho da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação, data consagrada em 14 de setembro em homenagem ao programa Viva Maria. A jornalista é uma das brasileiras fundadoras da Rede de Jornalistas com Visão de Gênero das Américas, criada em 2016.
Mara Régia considera, ainda que “é hora de uma ação mais concreta, porque desde [a Conferência de] Pequim temos os princípios de empoderamento das mulheres muito bem definidos. Agora, falta a criatividade e iniciativas para dar a essas mulheres o acesso à voz, como desenvolver programas tais quais aqueles de equidade de gênero e raça, incluindo aí as trabalhadoras rurais, buscar empresas que financiem esses projetos. Como também começar a ter um olhar diferenciado para as mulheres poderem estar, não só no campo tecnológico, mas também nas agências de publicidade e na mídia em geral em seu lugar devido. Porque, por exemplo, no Brasil a gente tem programas como o Ligue 180, mas no interior do país as mulheres não têm acesso às vezes nem a um telefone. Não por acaso as lideranças rurais morrem a três por quatro”, diz.
Gênero, raça e etnia na mídia – Para a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Maria José Braga, o fato dos meios ainda não abordarem as questões de gênero, raça e etnia programaticamente e ainda as ditas minorias ainda serem tratadas de forma discriminatória reforça a importância da preocupação com a temática no fórum de maior peso para o debate internacional sobre os direitos das mulheres.
Outro aspecto importante do debate que merece destaque e acompanhamento no futuro, na opinião de Maria José, é a representação das mulheres na indústria do entretenimento e das produções culturais, as quais “continuam sendo coisificadas, em pleno século XXI. E os meios de comunicação de alguma forma têm que ser responsabilizados por essa objetificação que fazem da mulher, mais nitidamente ainda na publicidade. Também precisamos tratar da grave ausência das questões de interesse das mulheres como pauta jornalística, que não devem aparecer apenas no mês de março, e também da quase inexistência de mulheres como fontes”.
Maria José salienta que “isso também é reflexo do machismo na sociedade em geral, que leva a que tenhamos menos mulheres nos cargos de comando e atuação política, mas isso também precisa ser questionado e tratado pelo jornalismo”.
O relatório Tendências mundiais em liberdade de expressão e desenvolvimento dos meios de comunicação, produzido pela UNESCO em 2016 sobre 522 agências de mídia em 59 países, demonstra que as mulheres ocupam apenas 27% dos cargos mais elevados de gerência nas organizações de mídia.
Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Geena Davis com base em um estudo sobre 120 filmes populares em 11 países, atesta que somente 21% dos cineastas são mulheres, e somente 3 em cada 10 papéis cujas personagens têm falas nessas produções são ocupados por mulheres. Nos longa-metragens, somente 23% colocavam uma mulher como protagonista.
Eliminação do racismo na mídia – As plataformas da Conferência de Pequim (1995) e de Pequim+15 já apontavam as medidas necessárias para governos e instituições enfrentarem o sexismo nos meios de comunicação. “No entanto, as mulheres continuam sub-representadas nos cargos de tomada de decisões, tais como nos órgãos consultivos, de gestão, reguladores e de fiscalização da indústria dos media. E os estereótipos de gênero continuam impedindo que as mulheres sejam apresentadas de uma forma equilibrada e realista”, destaca Nilza Iraci, coordenadora de comunicação do Geledés – Instituto da Mulher Negra.
Somente na Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, no ano de 2001, foi inserido entre as plataformas das Nações Unidas a temática do racismo e seus efeitos perversos na imagem das mulheres negras. Nilza, que integra a coordenação da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e o Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, aponta ainda que apesar do momento de emergência dos discursos de ódio e racismo, a potência das novas tecnologias de comunicação e das mídias sociais coloca para governos, estados nacionais e o Sistema ONU novos desafios.
Conforme Nilza é necessário “empreender recursos para uma política efetiva de formação, com recortes específicos de gênero e raça, que permita às mulheres negras disputar as narrativas da mídia hegemônica, mas também construir outras alternativas a partir de ferramentas que possibilitem uma comunicação independente, revolucionária, horizontal, plural e contra-hegemônica, colocando-as como agentes de sua própria identidade nos espaços midiáticos, quaisquer que sejam eles”, conclui.
Fundos de acessibilidade e mulheres – Outra pesquisa – realizada no continente africano em parceria entre a ONU Mulheres, a Fundação Web e a Aliança por uma Internet Acessível (A4AI na sigla em inglês) – foi apresentada na 62ª CSW. A maioria dos países africanos participam de fundos públicos para ampliação da conectividade, mas não estão investindo o dinheiro arrecadado.
De acordo com o estudo, em 2016, cerca de 400 milhões de dólares deixaram de ser utilizados. Além disso, poucos países têm se preocupado em investir verbas desses fundos em projetos de enfrentamento à desigualdade do acesso para as mulheres. E no continente africano estão as maiores taxas mundiais de exclusão feminina da internet. Com base na pesquisa, foi proposto que metade dos recursos investidos para ampliar a conectividade sejam destinados à garantia de acesso e direito de uso para mulheres e meninas.