Condenação de assassinos de Marielle traz alívio, nunca alegria

Foi a justiça possível, como definiu o promotor Fábio Vieira, do MP-RJ

Foi a justiça possível, como definiu o promotor Fábio Vieira, do MP-RJ, que se fez com a condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Seis anos, sete meses e 17 dias depois do crime, a sociedade, por meio do Tribunal do Júri, mostrou que, desta vez, a impunidade não prevaleceu. A sentença da juíza Lúcia Glioche, que fixou penas de, respectivamente, 78 e 59 anos de prisão aos assassinos, traz alívio; alegria, nunca. As lágrimas brotam porque, se confirma agora, Marielle Franco e Anderson Gomes não retornarão; Fernanda Chaves, a única sobrevivente, jamais terá de novo a vida que lhe foi sequestrada. Tampouco voltarão à normalidade Luyara, Monica, Marinete, Antônio, Anielle, Arthur, Ágatha, familiares tornados vítimas perpétuas da barbárie.

A titular do 4º Tribunal do Júri foi precisa ao anunciar que o veredito é mais recado aos réus e à laia de criminosos que acossam o Rio de Janeiro do que alento às famílias.

— Talvez justiça fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido, talvez justiça fosse Anderson e Marielle vivos — reforçou.

O julgamento que presidiu, num par de sessões com transmissão ao vivo, ensinou que fulminados também são os que sobrevivem ao homicídio de seus amores. Pedagogia pura num país recordista em assassinato de defensores de direitos humanos, num território em que dezenas de milhares de corpos, quase sempre pretos, quase sempre pobres, tombam anualmente.

— A orientação da ONU, que consta da política do Judiciário brasileiro, considera formalmente vítima não só a pessoa atingida pelo fato criminoso, mas também os familiares — explica a juíza federal Adriana Cruz, secretária-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A Resolução 253/2018 do CNJ, que trata do tema, saiu da provocação dos movimentos de mães de vítimas da violência. Obriga os tribunais a ter centros de atendimento para assistir os familiares. A compreensão alcança todas as etapas da luta por justiça, não apenas o processo criminal. Engloba, por óbvio, os filhos de uma mulher morta por feminicídio que busquem benefício previdenciário via Justiça Federal.

O caso Marielle Franco, que já apresentara ao Brasil o conceito de feminicídio político, agora nos escancara a vastidão dos danos de um assassinato. E mostrou ao Rio de Janeiro, ao país e ao mundo o tamanho do buraco em que o crime organizado nos meteu. Ronnie Lessa e Élcio Queiroz integram uma engrenagem a serviço da morte. O atirador contou com frieza assustadora no interrogatório que, contratado para o crime, encomendou ao mandante o kit assassinato: carro clonado, arma e telefone celular.

Ele contou que Macalé, o intermediário, tinha conexões com o camelódromo de Madureira, com farta oferta de aparelhos. Os criminosos se comunicavam sem risco de expor as linhas contratadas nos próprios CPFs. A cadeia de roubos, furtos e receptação de celulares — crimes galopantes no estado e já associados a falsos sequestros e extorsões praticadas de dentro dos presídios da capital — também se liga à indústria da morte.

O Ministério Público do Rio, cujos representantes chegaram aos autores às vésperas de o crime completar um ano, parece não ter dúvida também sobre a motivação: política e relacionada à disputa fundiária na capital. Primeira a depor como testemunha de acusação, Fernanda Chaves foi questionada sobre a atuação da vereadora na área da habitação popular, alvo dos grupos milicianos que dominam, sobretudo, a Zona Oeste carioca.

Ela contou que Marielle apresentou à Câmara Municipal um Projeto de Lei para determinar que a Prefeitura ofereça assistência técnica gratuita a projeto e execução de imóveis para famílias com renda inferior a três salários mínimos. Feria, obviamente, interesses criminosos. O PL 642/2017 foi protocolado no fim do primeiro ano de mandato da vereadora. Num pacote de projetos de Marielle submetidos ao plenário um mês e meio depois da morte, não avançou. Só foi aprovado em 2019.

A informação se alinha à tese apresentada pela Polícia Federal à Procuradoria-Geral da República nas investigações sobre os mandantes, concluídas cinco anos depois das execuções. Na delação, o atirador Lessa apontou Chiquinho Brazão, deputado federal, seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro do TCE, e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil, como mandantes, em razão de interesses contrariados em atividades que afetam a milícia. A palavra agora está com o Supremo.

+ sobre o tema

Manicure negra sofre agressão racial e chama racista às falas nas redes sociais

Flávia Abreu manicure na cidade de São Carlos no...

John Legend: “O racismo está matando nossas crianças”

O músico falou sobre a situação da discriminação nos...

Crossfit perde patrocinador e enfrenta crise após tuíte considerado racista 

Um comentário considerado racista pode colocar o Crossfit, modalidade...

para lembrar

Vítimas de preconceito, antropólogos, artistas respondem: o Brasil é racista?

Glauco Araújo* Caso do goleiro Aranha reacende a discussão sobre...

Le Monde analisa racismo no Brasil

Em seu caderno de cultura e ideias do...

Partidos políticos são ambientes hostis para pessoas negras, diz diretora de instituto

Partidos políticos são ambientes hostis para pessoas negras. A constatação...

Especialistas pedem mais rigor contra crimes racial

  Uma mudança na legislação que acabe com o "abrandamento"...
spot_imgspot_img

Movimento negro protocola pedido de convocação de Derrite e Tarcísio na Alesp

A Uneafro protocolou, nesta terça-feira (3), pedidos de convocação do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, para...

Tarcísio deveria ser responsabilizado por casos de violência da PM

As recentes notícias de violência policial em São Paulo evidenciam o descontrole da segurança pública no estado. Dados do Instituto Sou da Paz apontam...

O horror na PM paulista não são casos isolados

É preciso ir além do horror estomacal que qualquer ser humano privado de sociopatia sente ao ver policiais jogando um homem de uma ponte...
-+=