Coronavírus: falta de pré-natal e vacinas matará milhares de mães e crianças, alerta relatório

Enviado por / FonteBBC, por Mariana Alvim

O relatório chega a estimar, em números, o impacto múltiplo da pandemia do coronavírus na saúde delas — que vai desde o acesso a contraceptivos à merenda de escolas, agora fechadas por imposição do isolamento social.

Se em 2018 5,3 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram globalmente, calcula-se que o contexto da pandemia possa tirar a vida de mais 400 mil delas por conta de interrupções e problemas nos serviços de saúde.

Em relação à mortalidade materna, 295 mil mulheres morreram em 2017 em todo o mundo por causas ligadas à gravidez, como hemorragia e sepse. Os efeitos da pandemia podem fazer novas 24,4 mil mortes assim.

O documento destaca ainda que:

  • 13,5 milhões de crianças deixaram de ser vacinadas contra doenças que podem ser fatais;
  • Mais de 20 países já relataram escassez de vacinas causada pela pandemia;
  • Há interrupção no fornecimento de contraceptivos, podendo levar a 15 milhões de gestações indesejadas em países de baixa e média renda;
  • De 42 a 66 milhões de crianças correm o risco de cair na pobreza extrema;
  • Cerca de 370 milhões de crianças estão deixando de receber refeições na escola;
  • Mulheres têm particularidades que as colocam vulneráveis à depressão e ansiedade;
  • Estima-se que pode haver mais 15 milhões de atos violentos contra meninas e mulheres a cada três meses de confinamento; em alguns países, chamadas de emergência aumentaram 30%.

“Sistemas de saúde em países ricos e pobres estão enfrentando grandes dificuldades (na pandemia), e a atenção a mães, recém-nascidos, crianças e adolescentes está se esfacelando”, afirmou em comunicado à imprensa a médica Elizabeth Mason, co-presidente do painel.

“Campanhas de imunização estão sendo interrompidas e os profissionais de saúde estão sendo desviados da maternidade para as unidades de tratamento para a covid-19.”

Emergências de saúde anteriores ensinaram o quanto mulheres e crianças ficam particularmente vulneráveis neste cenário — no surto de ebola no Oeste da África entre 2014 e 2016, por exemplo, a mortalidade materna cresceu 75% durante a epidemia, e o número de mulheres parindo em unidades de saúde e hospitais caiu em 30%.

Desde 2000, o mundo estava assistindo a melhoras importantes, mesmo nos países mais pobres — como uma queda generalizada considerável na mortalidade materna e de crianças menores de 5 anos, diz o documento.

“Estamos em uma situação onde décadas de progresso podem ser facilmente revertidas”, lamenta Joy Phumaphi, membro do painel e ex-assistente da direção-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Com isso, ficou ainda mais preocupante o cumprimento de metas da Agenda 2030 das Nações Unidas, que engloba diversos temas e tem vários pontos sobre a saúde das mulheres e crianças. Antes da pandemia, a implementação destes pontos já era considerada atrasada.

Brasil: preocupação com tendência de aumento da mortalidade

Remanejamento de leitos e equipes para tratamento da covid-19 deixa mães e bebês vulneráveis, alerta painel da ONU (Foto; Getty Images)

O relatório traz classificações de 193 países em sete indicadores, avaliando-os como “superado” (metas globais ou do país em particular superadas); “avançado”; “intermediário”; e algo como “correndo atrás” (“catching up”). Os dados são em sua maioria anteriores à covid-19, variando entre 2015 e 2018.

O Brasil aparece com cinco indicadores “superados”: índice de mortalidade materna; taxa de crianças natimortas; mortalidade infantil; mortalidade abaixo dos cinco anos; e registro civil de óbitos.

No indicador mortalidade adolescente (entre 10-19 anos, a cada 100 mil habitantes), o país aparece como “intermediário”; e, no registro civil de nascimento, “avançado”.

Professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Simone Diniz ressalta no entanto que os dados do relatório global possivelmente não captam tendências preocupantes observadas em anos mais recentes.

Um relatório de 2018 da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) indicou, por exemplo, que após um período consistente de declínio na mortalidade no primeiro ano de vida, 2016 já apresentou uma reversão desta queda.

Em relação a 2015, houve aumento em 2016 da mortalidade pós-neonatal (dos 28 aos 364 dias de vida) em todas as regiões do país, com exceção do Sul. O maior aumento foi observado no Nordeste, onde o coeficiente de mortalidade pós-neonatal passou de 3,8 por 1.000 nascidos vivos em 2015 para 4,2 em 2016.

“Enquanto a mortalidade perinatal é mais influenciada pela assistência em saúde, a pós-neonatal é mais sensível às condições socioeconômicas (da família). Observamos uma tendência do aumento da proporção das mortes pós-neonatal, o que vai ao encontro da crise econômica, queda de renda, aumento do desemprego e desigualdade observados nos últimos anos no país”, explica Diniz, integrante do Grupo Temático Gênero e Saúde da Abrasco.

A pesquisadora destaca que, no contexto atual de pandemia, o país está assistindo à volta de situações que tinham ficado para trás, como por exemplo a não recomendada “alta” — ou liberação — de consultas de pré-natal e a peregrinação por leitos, transferidos para tratamento de covid-19, no trabalho de parto.

O Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Imunizações também estão preocupados com a queda da cobertura vacinal em meio à emergência da covid-19 — por conta disso, a sociedade lançou a campanha “Vacinação em dia, mesmo na pandemia” com orientações para a imunização neste período.

Outros desdobramentos da pandemia

Não é só a dificuldade de acesso a vacinas durante a pandemia que preocupa.

Mulheres já estão sendo afetadas pelo fechamento de consultórios e postos de atendimento móvel sobre saúde reprodutiva, diz o relatório. Isto afeta o acesso a métodos contraceptivos, testes de HIV e assistência pós-aborto — onde a interrupção à gravidez é permitida.

Também há “preocupação com a saúde, ética e direitos diante de medidas restritivas para evitar a transmissão da covid-19, como mulheres sendo solicitadas a parir sem sua família por perto, e uma negação à autonomia delas na tomada de decisões; ou intervenções médicas como cesarianas e partos induzidos sem indicação baseada em evidências”, segundo afirma o documento.

Pelo impacto econômico e pela descontinuidade de programas de assistência, 2 milhões de casos adicionais de mutilação genital feminina podem ocorrer no mundo, assim como 13 milhões de casamentos de crianças nos próximos 10 anos.

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