Racismo à brasileira
A identidade nacional brasileira foi construída sob o mito da democracia racial, ou seja, a crença de que somos uma nação onde todas as raças vivem em harmonia sem conflitos ou segregações.
Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul, que tiveram um “racismo oficial”, a segregação racial nunca foi legalmente adotada pelo Brasil. E é essa uma das razões que fazem com que as reivindicações de movimentos sociais, entre elas a adoção de políticas públicas específicas para afrodescendentes, pareçam absurdas para grande parte da população brasileira.
Mas a discriminação racial no Brasil é mesmo bastante particular e precisa ser vista com atenção. Não tivemos apartheid,2 mas o racismo à brasileira persiste na nossa cultura e na nossa sociedade. Então, apesar da ausência de um regime legal de segregação racial, estudos produzidos ao longo das três últimas décadas atestam uma profunda desigualdade entre pessoas brancas e negras (pretas e pardas, segundo o sistema de classificação utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE).
Números e indicadores sobre a desigualdade social no Brasil evidenciam o que o movimento negro denuncia há décadas: a existência de mecanismos de discriminação racial na sociedade brasileira que colocam em xeque o modelo de democracia racial. Wânia Sant’Anna e Marcelo Paixão, especialistas no tema, demonstram que, se dividíssemos o país em dois (um branco e outro negro) e analisássemos as condições sociais de cada um (educação, renda familiar e esperança de vida), seria como comparar a Espanha ou a Argentina ao Zimbábue ou ao Marrocos. Ou seja, o primeiro grupo representaria uma nação de desenvolvimento médio, ao passo que o segundo estaria relacionado a uma nação de baixo desenvolvimento.
Outro indicador dessa desigualdade profunda é a educação superior. Apesar de representar quase metade da população brasileira, apenas 14,38% das pessoas com nível superior completo são negras.
Embora as políticas de ação afirmativa tenham conquistado, nos últimos anos, enorme destaque em diferentes espaços da sociedade, isso não significa que estamos próximos(as) da solução nem longe de conflitos. Diversas formas de enfrentamento do racismo e dos seus perversos efeitos vêm sendo divulgados, mas nem todos são bem-aceitos pela sociedade em geral. Prova disso é a enorme polêmica causada pelo debate sobre a criação de cotas raciais nas universidades públicas.