Cotas raciais sim, Folha

Cotas raciais são cotas sociais; opor as duas não faz sentido

“Pode-se afirmar que cotas sociais são preferíveis às raciais, mas ambas não passam de paliativos”, escreveu esta Folha no editorial “O limite das cotas”, em 2017. No mesmo ano, o jornal escreveu em “Cotas falhas” que “lamenta o modelo [de cotas] adotado [na USP]. Aqui se defende há tempos que o critério para ingresso especial nas universidades seja exclusivamente social.” Não dá para se falar em classe sem falar em raça no Brasil, isso nossa pele negra já sabe ao navegar espaços brancos.

Às vésperas dos dez anos da lei de cotas nas universidades, quando deverá ser renovada, a posição do jornal perdeu o bonde da história. Ação afirmativa já se consolidou como política pública eficaz, apesar das disparidades ainda visíveis entre os cursos mais concorridos. Ao jornal que acertou em 2021 lançando um programa específico para jornalistas negros e que se intitula um jornal da democracia, caberia bem em seus 100 anos rever a miopia racial que ainda perdura em seus editoriais escritos com a pena branca num país negro.

Abundam evidências. De antemão, cotas raciais são cotas sociais, opor as duas não faz sentido. Não há cota exclusivamente racial no país, que não leve em conta renda e/ou escola pública. Negros possuem menos mobilidade social —mesmo em faixas de renda parecidas—, já evidenciaram estudos do Gemaa da UERJ. Cotas apenas sociais não são igualmente eficazes em inserir negros, já concluiu estudo na Economics of Education Review de 2019. Fraudes não foram tão numerosas em relação ao número de ingressantes cotistas. Brancos pobres ingressam na concorrência geral e nas cotas de renda. Desempenho de cotistas é similar ou superior ao de não cotistas.

Quiçá maior equidade permitirá, como canta Emicida, que falemos nós, e não apenas as nossas cicatrizes. Quem sabe um dia os mortos nos Jacarezinhos não serão, a priori, suspeitos; quem sabe ciclistas negros possam tecer acrobacias no ar sem serem presos. Cotas raciais sim, Folha? Chegou, tardio, o momento de remediar iniquidades já caducas.

+ sobre o tema

Alberto Rabilotta: O papel do racismo na ofensiva imperialista

Em 23 de março passado o partido Frente...

Rapper brasileiro é alvo de racismo: “Esse foi um tiro de elite”

Dughettu conta que foi levar seu cachorro no veterinário...

Muritiba: Caso do carteiro vítima de injúria racial será julgado nesta quarta (27)

Jaguaracy Cruz Barbosa, 39 anos, casado, pai de uma...

para lembrar

BA: Homicídio de jovens negros aumenta mais de 300% em oito anos

Na última quinta-feira (29/11), o Centro Brasileiro de Estudos...

Manifesto de Repúdio ao Racismo na PUC Campinas – por Maria Rita

O racismo é uma violência que mata, adoece, incapacita....

Zulu Araújo – Ausência de cheque e tênis de marca

O ano de 2012 não está nada alvissareiro para...

Carta da Comunidade de Brasileiros e Brasileiras Residentes na Jurisdição de Berlim

II Conferência das Comunidades Brasileiras no Exterior dos quais Marcos...
spot_imgspot_img

Escritório deve indenizar advogado vítima de piadas racistas em grupo de WhatsApp

O racismo recreativo consiste em piadas racistas que mascaram a intenção de manter uma estrutura social que menospreza e inferioriza o povo negro. Assim,...

Qual a segurança que importa no Carnaval?

À medida que o Carnaval se aproxima, é comum ouvirmos discursos e propostas de autoridades sobre segurança pública. Isso fica especialmente frequente nas cidades brasileiras que...

Trabalho degradante é marca da indústria bilionária do carnaval

Faz quatro décadas, Martinho da Vila compôs para a escola de samba que o batiza o conjunto de versos em exaltação à gente que...
-+=