Cotistas denunciam discriminação na Ufes

Entre os relatos há até separação de turmas para não cotistas

Eles superaram o ensino precário das escolas públicas, as dificuldades financeiras e conseguiram ingressar em uma universidade federal. Neste ano, 1.439 cotistas foram aprovados no vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), mas engana-se quem pensa que a luta acabou. Hoje, eles lutam contra o preconceito. A situação é tão alarmante que uma turma, que não entrou na Ufes neste ano, já foi até separada entre cotistas e não cotistas.

A divisão aconteceu quando o Departamento de Arquitetura e Urbanismo dividiu as turmas de primeiro período em aulas laboratoriais de Geometria Gráfica 1, Desenho Artístico 1 e Composição Bidimensional. O relato é do aluno João Victor dos Santos, de 22 anos. Ele faz parte do grupo Coletivo Negrada, uma organização de estudantes que, na ocasião, publicou uma nota de repúdio contra a universidade.

Os cotistas reclamam que são excluídos das festas de confraternização, são citados em rodas de deboche na internet, são considerados inferiores intelectualmente e afirmam que seus sobrenomes viram piadas entre outros sobrenomes nas listas de chamada.

Um estudante do curso de Direito, que não quer se identificar, diz que o preconceito é frequente. “Muitos alunos não cotistas acham que tomamos a vaga de outros estudantes, que eles consideram mais capacitados para ocupar essas vagas. Não entendem que eles tiveram acesso a uma qualidade de ensino, a oportunidades que muitos cotistas não tiveram”, explica.

Outra estudante, que não também quer se identificar, desabafa: “Já passei por discriminação por ser cotista. Tem alunos da minha turma que falam abertamente que são contra a presença de cotistas na turma”.

A relação entre cotistas e não cotistas foi tema da tese de doutorado da professora adjunta do Departamento de Biblioteconomia da Ufes, Maria Cristina Figueiredo Guasti, que resultou no livro “Representações Sociais: sobre as ações afirmativas no ensino superior e sobre os estudantes cotistas da Ufes”. Ela ouviu alunos de nove cursos. Naqueles com maior status como Medicina, Engenharia, Arquitetura, Odontologia e Direito, a aceitação das cotas é baixa.

A professora relata que ficou chocada com o resultado. “Existe uma raiva. Os alunos que não aceitam os cotistas são de origem escolar particular e classe social mais alta. Para eles, o cotista roubou a vaga do amigo deles, por isso não merece estar ali”, explica.

Para o estudante Filipe Augusto Pereira, cotista de Engenharia Civil, falta humanidade. “Falta conhecer a história do outro, suas condições financeiras, meu pai é pedreiro. Se não fossem as cotas, estar no sétimo período de Engenharia hoje estaria muito distante”, diz.

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