Crimes de injúria racial cresceram em quase 40% em um ano; relembre casos recentes de racismo no RJ

Enviado por / FonteExtra, por Giovanna Durães

Em 2022, estado registrou 529 delitos a mais em comparação ao ano anterior, segundo dados do Instituto de Segurança Pública

“Volta pra favela”, “macaca suja”, “cabelo de macaco”, “preto safado”, “negra escrota”. Esses foram alguns dos xingamentos ouvidos por vítimas de injúria racial no Rio de Janeiro nos últimos seis meses. Agressões verbais e físicas contra pessoas negras no estado quase dobraram de 2021 para 2022, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Com aumento de aproximadamente 40%, os crimes evidenciam o racismo que acontece nas ruas da cidade e do país.

As imagens das agressões sofridas por Max Angelo dos Santos e Viviane Maria de Souza, em São Conrado, Zona Sul do Rio, no último domingo, chocaram as redes sociais. A autora do crime, a ex-jogadora de vôlei Sandra Mathias Correia de Sá, é investigada por injúria e lesão corporal após usar a coleira de seu cachorro para dar chibatadas nas costas de Max, que é morador da Rocinha. A criminosa também mordeu Viviane e agrediu verbalmente as duas vítimas, mandando que “voltassem para a favela”. Eles trabalham como entregadores em uma loja do bairro.

Essa foi apenas uma entre as centenas de crimes de injúria racial registrados nos últimos meses. Segundo os dados mais recentes fornecidos pelo ISP, em 2022, foram 1.883 denúncias. O número representa um aumento de 529 casos em relação ao ano anterior, aproximadamente 40% das 1.354 agressões sofridas por pessoas negras em 2021. O instituto ainda não divulgou os dados do primeiro trimestre de 2023.

Para os especialistas, os números acendem um alerta. Segundo Douglas Belchior, co-fundador da Uneafro Brasil (uma das entidades que forma a Coalizão Negra por Direitos), o crescimento nos registros reflete o aumento da importância de temas raciais na sociedade. Graças à luta do movimento negro, o racismo, hoje, é ainda mais difícil de ser ignorado e causa uma mobilização social.

— Não temos motivo para acreditar que, em outros momentos da história brasileira, tivemos menos casos de racismo. Hoje os casos são filmados, denunciados e ganham mais visibilidade, mas isso só acontece porque, por trás, existe uma pessoa com uma postura diferente, que não tolera esse tipo de crime — afirmou o especialista. — Essa nova mentalidade em relação ao racismo é coletiva, e isso reflete nos registros oficiais, nas denúncias. Há alguns anos, o caso dos entregadores não viraria noticia. Hoje, ele é emblemático.

Apesar da maior notoriedade nos casos de injúria no estado e no país, ainda é difícil ver agressores racistas cumprirem penas que estejam alinhadas com a legislação. Sobre esse tema, Belchior afirma que o estado tem o papel de regular as relações entre os indivíduos e precisa reafirmar, o tempo todo, a intolerância ao racismo.

— O movimento negro exige a garantia da conquista que tivemos na Constituição Federal de 1988. Nela, está constatado que racismo é crime inafiançável e qualquer cenário que fuja disso não está correto. Ao aliviar a pena em casos de injúria, a justiça deixa de educar a população. A lei precisa agir e repercutir para que a sociedade entenda a gravidade do crime — analisou o professor. — Temos que aprofundar e melhorar esse combate, sobretudo nos ambientes de educação formal. As pessoas precisam ter contato com valores anti-racistas, para que possam mudar seu comportamento a respeito do tema.

Os números preocupam, os casos chocam

No mesmo dia em que Max e Viviane foram agredidos em São Conrado, não muito longe dali, no Bar do Mané, na praia do Flamengo, também na Zona Sul do Rio, outra pessoa era vítima de racismo descarado. Na tarde de domingo, Lívia Coelho, cliente do estabelecimento, foi presa em flagrante por injúria racial, após agredir verbalmente Társila de Almeida, de 21 anos, garçonete do bar. A jovem foi chamada de “macaca suja” pela agressora, que também disse que a funcionária não deveria trabalhar no local e comparou sua cor ao saco plástico da lixeira. Segundo Társila, a criminosa tentava acesso ao bar desde as 9h, mas o estabelecimento só abriria duas horas depois. Após a abertura do bar, a mulher passou a ingerir bebidas alcoólicas e dizer ofensas racistas contra a vítima. Lívia foi solta no dia seguinte.

Em dezembro do ano passado, outros dois casos acenderam o alerta para injúria racial nos mais diversos ambientes. Os familiares de uma aluna da Escola Municipal Almirante Frontin, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, denunciaram um episódio de injúria racial sofrido pela menina de 11 anos em um grupo de WhatsApp com outros estudantes da instituição. Em um dos áudios enviados, a voz que parece ser de uma mulher adulta, possivelmente responsável por algum aluno, chama a menina de “cabelo de macaco”. Pai da estudante, João do Carmo conta que já havia percebido comportamentos diferentes na filha há algum tempo. Segundo ele, a menina estava triste e sem vontade de ir à escola, além de demonstrar vergonha de frequentar as aulas com o cabelo natural, optando por estar sempre com tranças.

No mesmo mês, o pastor Daniel Pereira acusou um guarda municipal de cometer um crime de injúria racial. A vítima afirmou que o agente o chamou de “preto safado” durante uma discussão, que foi registrada em um vídeo que circula nas redes sociais e mostra o momento em que o guarda socou Daniel, que estava dentro do carro na Rua da Assembleia, no Centro do Rio. As imagens ainda mostram que, após a agressão, o agente fugiu.

Dois meses antes, uma mulher foi detida e conduzida à delegacia por agentes do Lapa Presente, depois de proferir ofensas racistas e agredir a funcionária de um estabelecimento comercial na Avenida Gomes Freire, no Centro do Rio. Os agentes estavam em patrulhamento quando foram acionados por pedestres, que informaram sobre a ocorrência. Segundo testemunhas, a cliente estava alterada na loja, começou a insultar uma funcionária, a chamou de “negra escrota” e depois apertou seu pescoço.

Mudança na lei

Os casos de injúria racial, que cresceram consideravelmente no Rio de Janeiro no ano passado, poderiam ter outro desfecho caso a nova lei, que iguala o crime ao de racismo, já estivesse valendo. A decisão, sancionada em janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aumenta a pena para o crime de injúria racial para 2 a 5 anos de prisão, além de torná-lo inafiançável e imprescritível.

O crime de injúria racial é caracterizado quando uma pessoa é agredida ou ofendida devido à sua raça, cor, etnia, religião ou origem. Já o racismo, segundo a lei, ocorre quando o agressor atinge um grupo ou coletivo de pessoas, discriminando uma raça de forma geral.

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