Em plena recessão de 2016, quando a economia brasileira encolheu 3,3%, Shayenne dos Santos Monteiro se formou na Faculdade de Enfermagem. Mesmo com a pandemia, aos 28 anos, ainda não conseguiu trabalhar na profissão. Foi babá e cabeleireira, trabalho que vem mantendo, enquanto ainda tenta ser enfermeira, fazendo estágio não remunerado e capacitação:
— Coloquei currículo em hospital de campanha e nada. De um tempo para cá, nem a rejeição chega. A gente faz o cadastro, nem a recusa enviam mais. Não dão conta de todos os currículos que chegam. Só entra com indicação, tem muita gente desempregada.
Um ano antes de Shayenne, Vinícius de Almeida, de 31 anos, formou-se em Relações Internacionais. Outro ano recessivo, quando o Produto Interno Bruto (PIB) retraiu 3,5%. E também nunca conseguiu trabalho na sua área. Fez mestrado, mas desistiu. Hoje cursa Direito e estuda para concursos públicos:
— Tenho uma sensação de tempo perdido, investimento e potencialidades desperdiçadas. Quando terminei a faculdade foi trágico, os empregos desapareceram. Logo no mestrado vi que não tinha mais futuro, terminei com a única finalidade de utilizar o título para contar pontos para concurso — conta.
Ela continua:
— Queria dar alívio para os meus pais com as contas, poder sustentar uma família sem dificuldades, ter um imóvel ou poder alugar um. Tive que adiar muita coisa, até deixar de sonhar.
Longa procura
Há uma denominação para o efeito prolongado de uma recessão econômica no mercado de trabalho, diz Julia Braga, economista e professora da UFF. É histerese, termo roubado da física que, na economia, indica que, mesmo que o país cresça, o desemprego continuará alto por muito tempo.
— Para o jovem, gera-se um efeito permanente, na literatura chamado de cicatriz do desemprego. Esse efeito tende a impor na vida desse jovem outras reincidências de episódios de desemprego e uma penalidade salarial — diz Julia.
No Brasil, agora é regra haver muita gente desempregada. Desde fevereiro de 2016, esse contingente nunca foi inferior a dez milhões. Hoje, são 14 milhões, o dobro dos 7 milhões registrados em 2014, o melhor momento do mercado de trabalho recente.
Braulio Borges, economista da LCA Consultores e da Fundação Getulio Vargas (FGV), vem estudando esse fenômeno de desemprego elevado por muito tempo. No fim de 2019, 27,3% dos desempregados procuravam trabalho há dois anos ou mais.
No agregado do último trimestre daquele ano, o patamar chegou a 25%. Hoje, caiu um pouco, para 22,9%. Desde o primeiro trimestre de 2018, cerca de 3 milhões de pessoas buscam vaga há dois anos ou mais.
— Vamos perdendo capital. Muitas das habilidades as pessoas adquirem no ambiente de trabalho e vão mudando o tempo todo. Hoje se ensina programação para as crianças. Há 15 anos, não eram todos que precisavam saber mexer no Excel. Essas habilidades mínimas exigidas vão se elevando, gerando uma massa de pessoas que depois não consegue se reinserir no mercado de trabalho.
O engenheiro elétrico Alex Pacheco, de 33 anos, terminou a faculdade em 2016. De lá para cá, foram quatro anos desempregado, ou com trabalho temporário de corretor de imóveis e alguns projetos na sua área. Foi chamado para um concurso na sua especialidade uma semana antes de estourar a pandemia, há um ano:
— Mesmo tendo iniciado um trabalho na área em que me formei, tenho certeza de que perdi uma década. Por ser do ramo de tecnologia, se você não está se atualizando o tempo todo, fica atrasado.
Esses três jovens entraram no mercado no meio de uma recessão, o que reduz as chances de encontrar emprego. Borges calcula que a taxa de desemprego de equilíbrio no Brasil é de 9,5%. Ela está acima de 10% desde o início de 2016 e agora superou 14%.
Duas crises seguidas
Além disso, Pacheco se desencantou com a profissão:
— Hoje ganho metade do que um engenheiro do setor privado ganharia, não é nem o piso da profissão. E se for disputar uma vaga numa grande multinacional com um recém-formado, com certeza a preferência vai ser por este. Minha intenção é migrar para Direito e tentar carreira de magistratura ou promotoria.
Como explica Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, nunca, nos últimos 30, 40 anos, vivemos uma crise sem que a economia tivesse se recuperado da anterior:
— Entrar numa crise sem ter saído de outra aumenta o efeito histerese, esse desemprego estrutural, quando há uma reconfiguração do trabalho, com a quarta revolução industrial.
Julia chama atenção para o envelhecimento da população ocupada, que vem desde 2015, com queda no número de pessoas com menos de 40 anos.
— O tempo que o jovem permanece desempregado subiu na pandemia, e já havia aumentado na crise de 2015. Agora passamos por uma recessão de efeito duplo, porque além do impacto no PIB há mudanças como o trabalho remoto e a automatização.