Crise terá cauda longa

As primeiras evidências empíricas sobre o impacto do fechamento das escolas devido à pandemia da Covid-19 começaram a aparecer. Os resultados, infelizmente, confirmam as expectativas sobre as consequências negativas de um evento tão traumático em todo o mundo. Estudos já divulgados em países como Holanda, Bélgica e Estados Unidos mostram que as perdas foram significativas, especialmente para os estudantes mais vulneráveis.

Como a imensa maioria das crianças e adolescentes brasileiros não voltou às aulas presenciais, ainda não é possível mensurar o real impacto da pandemia na aprendizagem por aqui. Porém, considerando que essas primeiras evidências são relativas a países desenvolvidos e que mantiveram suas escolas fechadas por bem menos tempo, não há motivos para otimismo. Encerraremos o ano letivo de 2020 com perdas significativas de aprendizagem, aumento de desigualdades educacionais e também da evasão escolar.

As notícias sobre o início da vacinação da população nos primeiros meses de 2021 trazem algum alento, mas convém não alimentarmos ilusões: a crise terá cauda longa. Especialistas em saúde alertam que ainda levará um tempo até que a segunda onda de contaminação arrefeça e que a imunização em massa tenha efeito. Mesmo num cenário de queda na arrecadação pelo setor público e de perda de alunos no privado, as redes municipais, estaduais e particulares precisarão iniciar o próximo ano letivo com investimentos, para garantir as melhores condições possíveis de segurança para o retorno de estudantes, professores e funcionários às atividades presenciais.

As escolas já deram sua cota de sacrifício, permanecendo demasiado tempo fechadas. É hora de priorizar a volta às aulas, com segurança. Nesse sentido, ajudaria muito se os governos colocassem todos os profissionais da educação também como público prioritário da vacinação, sem prejuízo de outros grupos de risco.

Além de questões emergenciais no curto prazo, precisaremos lidar com problemas antigos, que já sabíamos que existiam, mas que foram ainda mais explicitados com a pandemia. Provavelmente, o mais grave deles é a brutal desigualdade que nos afeta. Alunos com acesso precário à internet e sem condições de acompanhar as atividades remotas foram apenas a face mais visível disso. Precisamos de políticas intersetoriais, bem desenhadas e articuladas, que melhorem as condições de aprendizagem dentro e fora das escolas, com foco nas populações mais vulneráveis, e com especial ênfase no combate à nossa maior chaga enquanto nação: o persistente racismo estrutural.

Começaremos 2021, portanto, ainda tratando dos mesmos temas que nos mobilizaram ao final de 2020. Mas não podemos ficar só nisso. O ano que vem será crucial para a implementação do Novo Ensino Médio, que prevê cinco itinerários possíveis para escolha dos jovens, incluindo entre eles a possibilidade de formação técnica e profissional, sem prejuízo do aprendizado do núcleo básico comum a todos os estudantes.

Os desafios são muitos, e as condições para enfrentá-los continuam distantes do ideal. Olhando em retrospectiva, o ano de 2020 foi de muitas perdas, que não devem ser minimizadas. Mas celebramos também algumas vitórias no campo educacional. Mesmo diante de um governo federal omisso em seu papel de articulação, a mobilização da sociedade civil permitiu a aprovação do novo Fundeb e impediu retrocessos em sua regulamentação, acertadamente vetando a possibilidade de repasse para escolas filantrópicas de Ensino Fundamental e Médio. Apesar da ausência do MEC, redes estaduais e municipais assumiram mais protagonismo, apoiadas por uma coalizão de parceiros em defesa da educação pública. Precisaremos de mais articulação desses campos para que consigamos enfrentar os desafios que 2021 nos reserva. Não será fácil, mas é possível.

Ricardo Henriques é economista e superintendente-executivo do Instituto Unibanco

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