Daniela, a cabelereira que vivia forte depressão, hoje ajuda outras pessoas a se curarem

Artigo produzido por Redação de Geledés

Ela conheceu o Núcleo Obará, onde fez cursos de terapias holísticas, passando a fazer parte do quadro de atendimento gratuito durante a pandemia

Em janeiro de 2020, Daniela Cristiane de Araújo, de 38 anos, perdeu o marido. Com a chegada do novo coronavírus no País, em março do mesmo ano, sua situação emocional piorou, fazendo com que ela desenvolvesse ansiedade e depressão. 

Entre os agravantes, estava o fato de Daniela, cabelereira, não conseguir atender suas clientes, em razão da pandemia. Sem trabalho e sem perspectivas de futuro, seu nervosismo foi tão intenso que ela acabou desenvolvendo um mioma, tumor benigno que se forma no tecido muscular do útero. 

“O meu principal medo era como que eu iria sustentar a minha família, já que só eu sou a provedora e não tenho salário fixo?”, questiona. A reabertura dos salões de cabeleireiro em São Paulo só ocorreu em agosto de 2020. Durante este período em que ficou sem o salão, ela contou com a ajuda do auxílio emergencial do governo federal, mas ele não foi suficiente para suprir suas necessidades básicas. 

Daniela, então, teve que se expor ao risco de ser contaminada pelo vírus e passou a fazer atendimentos de forma reduzida dentro de sua própria residência, já que ela precisava sustentar os dois filhos, de 20 e 9 anos. 

À coluna Retratos da Pandemia, a cabelereira conta que passou a viver em um mundo cinza. O seu filho caçula era a pessoa que promovia acolhimento para Daniela. Ele sempre a abraçava e dizia que tudo iria ficar bem. “Como que uma criança que não sabe nada da vida soube me orientar tão bem?”, pensava. 

A renda da sua casa caiu pela metade. Por um lado, Daniela teve que se reinventar como profissional e queria acelerar o processo do seu próprio luto, mas isso só aumentava a sua ansiedade. Nos momentos em que desacelerava, ela não tinha forças para sair da cama. Foi aí que ela decidiu buscar ajuda. 

Cátia Cipriano, considerada sua irmã de santo no Candomblé, trabalha como psicóloga no Núcleo Obará e lhe indicou o lugar para tratamento. A iniciativa, promovida pela Uneafro, disponibiliza psicólogos para o atendimento de pessoas negras de maneira gratuita e online durante a pandemia, já que essa população foi a mais afetada pela covid-19. 

Daniela também aprendeu sobre autocuidado e resgate da ancestralidade. Aquele era um espaço onde ela podia desabafar, chorar, e também ter um momento de meditação. Todas as mulheres que estavam no grupo passaram pela experiência do luto e isso fez com que elas buscassem a cura juntas. “Foi um processo lento, mas ao ouvir as dores delas, eu curei as minhas”, diz Daniela. 

A cabelereira Daniela teve que se reinventar para conseguir sobreviver na pandemia

Logo, a cabelereira passou a fazer diversos cursos de terapia holística através da iniciativa, como o curso de reiki, radiestesia (usada para medir e detectar campos magnéticos por meio de instrumentos específicos como pêndulos), e de ervas medicinais. Com o que aprendeu nestas terapias, ela passou a acolher seus familiares. “Se permita chorar. Esse é o seu momento. Está tudo bem mostrar a sua vulnerabilidade”, ela dizia a eles. Naquele momento, Daniela entendeu que sim, ela estava sofrendo, mas ela também poderia usar da sua experiência para acalentar outras pessoas. 

O próximo passo foi se reconhecer como terapeuta holística. Apesar de ter se formado em todas as capacitações, ela não se enxergava nessa posição, pois não conhecia uma pessoa negra que fosse terapeuta. 

Sua amiga Cátia foi fundamental para o seu processo de empoderamento, pois ela sempre ressaltava o quanto Daniela tinha o potencial de chegar aonde quisesse. “Como mulher negra, pobre e periférica, a gente está acostumado a se ver menor. Os cursos eram fora da minha realidade. O racismo nos coloca em uma situação onde a gente não consegue enxergar além”, reflete. 

Ao começar com os atendimentos, em plena pandemia, ela afirma que a maioria das queixas dos pacientes é a questão do luto e a incerteza em relação ao futuro. Assim como ela, muitos se reinventaram durante este período, porque a maioria trabalhava de maneira autônoma. 

E essa não é a realidade para poucos no Brasil. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), lançada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 38,6 milhões de trabalhadores atuam na informalidade. Os dados representam 41% dos trabalhadores do país. 

“Os brasileiros já estão acostumados a não ter dinheiro. Eles sabem se adaptar. Porém, quando você tira aquele sonho e ele não é mais palpável, aquilo mexe com o mental”, afirma a terapeuta.  

Segundo uma pesquisa lançada pelo Observatório Febraban/Ipespe em março de 2021, a pandemia afetou a saúde mental e emocional de mais da metade da população (57%). 

Daniela afirma que uma das maneiras de lidar com tamanha ansiedade é ter um tempo para fazer algo que a motive, como ioga, meditação ou caminhada, atividades que comprovadamente baixam o nível de ansiedade. 

É neste cenário que projetos que promovem terapias alternativas de maneira gratuita trazem esperança e força a muitas pessoas. No Núcleo Obará são 10 terapeutas disponíveis. Daniela é uma delas e atende dois pacientes por semana. 

“Eu vejo que muitas pessoas adoeceram com muita rapidez durante a pandemia, mas eu tenho esperança de que quanto mais pessoas forem beneficiadas, a cura será alcançada. Todo mundo deve ter direito a terapia sem precisar pagar”, conclui. Hoje ela se enxerga mais forte e fortalecida para conquistar seus sonhos, criar os seus filhos e ajudar pessoas em seu entorno. 

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