Das gargalheiras e do racismo no Brasil de hoje

Jovem negro é espancado, tem a orelha cortada à faca, a roupa arrancada e é preso pelo pescoço a um poste, nu, em plena via pública. Seus algozes: três homens que chegaram de moto, mascarados e identificados pelo adolescente como “justiceiros”.

A ocorrência parece extraída das páginas de um livro de história do Brasil relativas ao período da escravatura, ao relatar técnicas de punição aos escravos fugitivos (como a gargalheira ou a golilha), mas não o foi: ocorreu na noite da última sexta-feira, 31 de janeiro de 2014, na Avenida Rui Barbosa, no bairro do Flamengo, Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.

O Quartel de Bombeiros do Catete foi acionado por uma moradora do bairro para cerrar a tranca de bicicleta que prendia o rapaz, que depois foi levado para o hospital municipal Souza Aguiar.

Racismo e faxina étnica na esteira das violações do “Rio olímpico” – onde uma secretaria municipal realiza o recolhimento compulsório de moradores de rua e onde uma vereadora declara que “mendigos não têm direito de cidadão”.

É esse mesmo racismo que produziu e atualiza as desigualdades e opressões constituintes da sociedade brasileira. Racismo institucional que atravessa a dificuldade de acesso à justiça, que retroalimenta o encerramento da população negra em “presídios-currais”, que sustenta a diferença salarial ainda persistente (de acordo com pesquisa recente do IBGE os negros ganham em média 57,4% do salário dos brancos) e que mascara sob a farsa da democracia racial a negação de direitos como acesso à educação, à moradia e à saúde.

Não há violência que possa ser justificada a partir de estatísticas sobre roubos e furtos. Enquanto se defende a propriedade privada, corpos negros se amontoam nos presídios, são exterminados em operações militarizadas e, agora, acorrentados em postes no bairro do Flamengo.

Furto não justifica tortura. Na segunda-feira 03 de fevereiro, foi aberto um inquérito para apurar os fatos ante a 9ª Delegacia de Polícia e na madrugada da terça-feira foram presos (e posteriormente liberados mediante fiança) 14 suspeitos de integrarem o grupo de “justiceiros”.

A vontade de fazer justiça com as próprias mãos é a base para violências e violações variadas, que se estendem desde a ação de três rapazes brancos e moradores da zona sul às ações de grupos de extermínio e milícias na zona oeste e na baixada fluminense, bem como as execuções sumárias dos jovens negros moradores de favelas e periferias urbanas perpetradas pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

Por isso nas ruas o grito que a cada dia ganha mais força: “Não acabou, tem que acabar: eu quero o fim da Polícia Militar”.

Pela desmilitarização da segurança pública, pelo enfrentamento do racismo institucional, dos justiçamentos, da tortura e das execuções.

Fascistas, racistas: não passarão!

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