Democracia racial na escola, uma questão!

“Em minha civilização, aquele que é diferente de mim não me empobrece: enriquece-me” (Saint-Exupéry, 1939).

 

MIRIAM FERREIRA BOTELHO e TEREZA LEONES MONTEIRO

 

O paradoxo contido na meditação de Exupéry no Pequeno Príncipe chama a reflexão sobre o contraditório que então se apresenta na sociedade brasileira. São as formas de tratamentos, profundamente desiguais, de negação à cidadania, de acesso à educação, ao trabalho, à renda e aos serviços sociais, que são destinadas às “pessoas diferentes” na estrutura social, portadoras de necessidades especiais, idosas, mulheres, especialmente às pessoas negras.

 

Chama a atenção também para a necessidade que a sociedade tem de reconhecer que na sua estrutura existem pessoas diferentes e que essas diferenças devem ser levadas em conta para que a igualdade de direitos venha a ser compreendida e assumida por todos.

 

Neste contexto é que merece destaque o papel da escola enquanto espaço democrático de exercício e de construção de cidadania.

 

Obstante, é de conhecimento de todos o grande desconforto que custa tratar sobre a questão racial no interior da escola. E de que é alto o preço que muitos pagam pelo conforto de outros em negar a sua existência no espaço escolar.

 

A negação da sociedade às questões raciais sob o pretexto do mito da “democracia racial¹”, reforçada ideologicamente pela escola, que por sua vez, segundo de MÜLLER (1999), são “disfarçados por mecanismos sutis de evitação”, definem, no mapa das desigualdades educacionais, a disparidade entre negros e brancos no que se refere ao acesso, permanência e conclusão do ensino formal.

 

A questão a seguir é saber como se faz permissível a segregação das crianças negras na escola.

 

De acordo com COSTA (2006), é possível afirmar que “são muitas as variáveis que interferem no processo educacional da população negra, bem como no seu desempenho escolar”, […] e que “as desigualdades provocadas pela discriminação racial estão, também, refletidas na qualidade da educação recebida pelos negros”.

 

Em se tratando da materialização da questão racial na escola aponta CAVALLEIRO, (2004), a “necessidade do entendimento do problema como condição indispensável para arquitetar um projeto de educação que possibilite a inserção social e o desenvolvimento igualitário de todos os indivíduos” (p. 118).

 

Em seguida destaca sete elementos estruturais na organização da escola que contribuem para a segregação do grupo negro no interior da escola e, dele, para sua subordinação na sociedade:

 

1 – A omissão da história do negro e a propagação da imagem negativa do negro brasileiro na escola.

2 – Dada a relevância do professor na “construção de valores” que orientam a prática social, se o professor não tiver sido preparado e feito uma reflexão a respeito da questão de raça, pode tornar-se disseminador da discriminação para outros espaços sociais.

3- Em relação ao material didático-pedagógico, ainda persiste a veiculação de materiais com imagens inferiorizantes, deformada e cristalizada do negro e que reforçam as relações raciais baseada na discriminação.

4 – A minimização do problema racial na escola entendidas, pelos profissionais que lá atuam, como “relações humanas naturais”.

5 – Sobre o universo semântico de interações na escola as dissimulações sob forma de apelidos e ironias que encobrem o preconceito latente.

6 – Nas relações interpessoais a constatação de tratamento diferenciado direcionado aos alunos brancos, tais como oferta de carinho, agrados, estímulos, atenção, entre outros, pautado no pertencimento racial.

7 – Como último agravante, a escassez de profissionais negros no ambiente escolar, principalmente nas funções de gestão da escola.

Em síntese, são esses e outros elementos significativos que, uma vez estruturados no espaço de produção e sistematização de conhecimentos na escola, figuram como determinantes de costumes, de comportamentos e de atitudes que se manifestam nas relações sociais sob a forma de preconceito, de racismo e discriminação racial às populações negras.

 

Mas isso é tudo? É certo que não. Pois a condição de subalternidade historicamente imposta ao povo negro na sociedade brasileira precisa ser superada.

 

Concordando com COSTA (2006) de que “o insucesso do negro na escola [e fora dela] não se dá por acaso e não será ao acaso que, também será superado” e que a tentativa de incluir o povo negro nas “políticas universais” não basta, uma vez que elas por si só não dão conta de corrigir as distorções, é há necessidade de políticas mais direcionadas “de combate ao racismo”.

 

Alguns avanços que já foram obtidos em benefício da população negra (afro-descendente), e que é importante recuperá-los como resultado de conquistas do Movimento Negro. Avanços que no rol das ações governamentais direcionadas ao combate à discriminação aparecem como políticas públicas repressivas, políticas compensatórias, também chamadas de ações afirmativas, e ainda nas ações valorizativas, merece destaque a instituição da “política de cotas” destinada à reserva de vagas para estudantes não brancos nas universidades públicas.

 

Na educação, a LDB, Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, define “a constituição de um novo currículo escolar que valorize e respeite a diversidade racial”.

 

Condição já um pouco criada com a Lei 10 639/03, que traz a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo da Rede de Ensino.

 

Os espaços conquistados ainda não são o suficiente para a conquista da cidadania da população negra no Brasil.

O passo seguinte deve ser direcionado por uma ação política mais radical que traga para o debate todos os brancos e os não-brancos, do poder público e da sociedade.

 

Ação que, partindo da escola, sirva como instrumento de transformação das relações raciais no contexto da sociedade. Que enquanto coletiva envolva os pais, os alunos, os funcionários e principalmente os professores como mediadores de um processo educativo que na diversidade seja capaz de reduzir as desigualdades sociais construídas historicamente em função da cor da pele no espaço da escola e no espaço social.

 

(*) MIRIAM FERREIRA BOTELHO é mestranda em educação pelo Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso
(**) TEREZA LEONES MONTEIRO é mestranda em educação pelo Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso

1 Termo que expressou a idéia de que “O Brasil era uma sociedade sem ‘linha de cor’, ou seja, uma sociedade sem barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas de cor […]”, de acordo com Lori HACK (2006, p.710 appud GUIMARÃES (2002, p. 36)).

Fonte: A Tribuna

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