Depressivas, fóbicas sociais, borderlines e o feminismo excludente

Talvez eu não seja a melhor pessoa para tocar nesse assunto, uma vez que não sou psicóloga e nem psiquiatra, mas como depressiva e fóbica social, sinto que essas questões não estão sendo tratadas da forma que deveriam pelos movimentos sociais. E o feminismo não fica de fora.

Por Vitória Fox Do Imprensa Feminista

Por diversas vezes vi companheiras de militância falarem sobre os traumas psicológicos que ficam nas vítimas da violência misógina. Dizer que uma mulher que sofreu diversos abusos no decorrer de sua vida pode vir a desenvolver algum transtorno mental é um genuíno clichê do movimento feminista. Esse problema é mencionado nos livros, nas teorias de gênero, nos coletivos, nos partidos políticos, nas palestras, nos eventos, nos fóruns da internet, mas será que ele é realmente levado a sério?

Se imaginem na seguinte situação: você acabou de ser vítima de um stalker e mesmo após as perseguições cessarem, acaba descobrindo que desenvolveu um transtorno de ansiedade social. Então passa a ter medo de coisas e situações completamente banais: medo de sair de casa, de frequentar as aulas, de atender o telefone, de sair desacompanhada, de falar em público, de se ver sozinha em meio a uma multidão, de iniciar amizades novas. Você começa a evitar o espaço público, os encontros com os amigos, as aulas que precisa assistir, os jantares com seu marido.

Só que ironicamente você é ativista e a luta política acontece coletivamente. Você tem que assistir e dar palestras, ir a protestos, escrever textos assinados com o seu nome, disponibilizar seus contatos, ou seja: estar em diversas situações que a colocam em evidência. Mas você não consegue e nem tem forças para socializar, tampouco para falar sobre suas limitações abertamente, e acaba sendo esquecida pelas próprias companheiras de militância. Como diz o ditado popular: “quem não é visto não é lembrado”, e isso não serve só para quem precisa sair na revista Caras.

Já fazem mais de três anos que isso ocorreu comigo, e essa é a primeira vez que menciono publicamente a perseguição que sofri. Apenas meus amigos mais próximos e alguns professores e colegas da faculdade sabem do que ocorreu.

Já falei sobre isso com algumas feministas, mas a maioria ficou consternada para depois esquecer, sem em nenhum momento pensar sobre as formas possíveis de me incluir, já que não sou uma pessoa em condições de pegar um megafone ou fazer algo icônico. E é tão irônico falar em sororidade quando as defensoras dessa bandeira são incapazes até de perguntar como foi o seu dia.

O feminismo, apesar de se assumir como um espaço contestador das práticas e valores da sociedade tradicional, ainda leva em consideração atributos como “popularidade”, “evidência” e “influência” para decidir para quem sua atenção deve se voltar.

E é um absurdo eu ter que dizer isso, mas grande parte – provavelmente a maioria – das mulheres que foram vítimas da violência misógina não possuem essas habilidades sociais. Seja porque a perderam no meio do caminho, seja porque as mazelas que sofreram são tão antigas que nunca tiveram a possibilidade de desenvolverem-nas.

E então você sente que a sua presença nos coletivos não faz muito sentido, porque você nunca será capaz de puxar um grito de protesto ou de agregar várias pessoas em um evento. No caso das fóbicas sociais, até conseguir iniciar uma amizade nova é difícil, imagine falar a uma multidão ou fazer um protesto de top less.

Dessa forma, o feminismo acaba repelindo as mulheres que precisam de ajuda e de um espaço para se reinventar e reconstruir sua autoestima. Muitas delas se afastam e voltam a estar em situações de riscos. Seja por carência ou necessidades materiais, as chances de caírem em um outro relacionamento abusivo ou de retornarem para os braços do antigo agressor são grandes. E é a vida delas que está em jogo.

Trabalhar com as necessidades emocionais dessas pessoas é imprescindível para elas conseguirem ter uma vida minimamente produtiva e satisfatória. Uma mulher abalada, com a autoestima destroçada e que não consegue ser ouvida, tem grandes chances de se tornar vítima novamente. E se o feminismo não a escutou, sua voz poderá ficar registrada apenas nas estatísticas. Um número a mais ou a menos, que diferença faz?

Não adianta esses problemas serem temas de ensaios e artigos acadêmicos, gritos de protestos e frases clichês da sororidade, se tais citações servem apenas para fingir que se importam. Não se importam e nós sabemos disso quando somos ignoradas e excluídas por não sermos populares o bastante para justificar o interesse em nós.

“Ah, mas então o que pode ser feito?” – Ouvir, agregar, pensar em formas de acolher essas mulheres de acordo com a necessidade de cada uma delas. Muitas vezes perguntar como ela está e elogiar seus pequenos feitos já é um grande incentivo. Ter paciência com suas limitações. E isso tudo pode ser resumido em uma frase: Ser amiga, não mais que isso.

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