Desconstruir a maternidade romântica é nosso papel

A forma como a sociedade coloca a maternidade romântica, tipo aquela idéia de que mães são seres perfeitos, sempre sorrindo, angelicais, santas que jamais erram é uma das ferramentas de opressão para nos vender a vontade de ser mãe.

Por Julia Harger, do Vegana é a sua Mãe

Já cansei de ouvir de amigas childfree convictas que elas ainda tem um pedacinho lá dentro de vontadinha de ter filhos. Vontadinha essa, queridas, provocada pelo marketing que o sistema patriarcal faz em cima da maternidade.

Eles querem te seduzir sim. Sabe porque? Por que mãe é mulher que não age. Mãe fica quieta pois tem seu tempo reduzido. Mãe não incomoda. Mãe está, em muitos casos, fora do mercado de trabalho. Mãe tem pouco tempo: o tempo que tem é precioso e normalmente é usado para coisas urgentes. Ativismo fica por último. Uma mãe é uma mulher com muito menos tempo de incomodar e de reivindicar seus direitos na sociedade. 

Mas eu estou aqui para tentar mudar isso. Eu, mãe apaixonada louca pela cria, estou aqui para te dizer: essa romantização é uma mentira. Maternidade é uma responsabilidade pesada. Sim, é apaixonante, visceral e não posso mais ver a minha vida de outra maneira, porém vamos a verdade: tem que querer muito. Não compre a idéia poética de ser mãe.

Mãe não é exclusivamente amor, carinho e compaixão. Mãe é uma mulher que sofre, que chora, que reclama. Mãe se tranca no banheiro por minutos livre pela sua sanidade. Mãe é uma mulher que, como nunca antes, questiona o patriarcado e os malditos papéis de gêneros dentro da maternidade. Mãe fica com inveja do pai e da vida dele que segue tão igual a antes. Mãe sente vontade de ter nascido homem. Mãe se exclui socialmente. Mãe carrega nas costas dupla ou tripla jornada. Mãe abre mão da vida profissional porque não tem escolha. Ou em muitos casos aceita qualquer trabalho porque precisa. Mãe vai rodar na entrevista de emprego, adivinha porque? Por que é mãe.Mãe talvez seja uma mãe que não pôde ter acesso ao aborto e tenha sido obrigada a sê-lo. Mãe se arrepende. Sim, de ter se tornado mãe: pelo menos por um segundo, ela se arrependerá. Mãe se sente sozinha. Mãe vai querer que a licença maternidade acabe logo, e depois não vai querer que acabe nunca. Dói ficar em casa 100% do tempo com um bebê mas também dói sair de casa sem ele. Mãe é contradição. Mãe atura marido por medo de se separar. Por medo de ser mãe solteira. Mãe atura até violência doméstica por isso. Mãe tem dores. Físicas e psicológicas, muitas dores. Além das suas dores, mãe também sente as da cria (10x mais forte). Mãe é mulher sobrecarregada. É mulher há dias sem dormir. Cansada. É mulher sem o mínimo de vaidade pois já abriu mão do que não é urgente. Ou é mulher vaidosa que se sente feia por não ter tempo. Mãe se sente muito feia. Tem que se acostumar com o novo corpo. Mãe passa fome. Passa dias sem tomar banho. Mãe olha para o céu e agradece quando consegue fazer xixi. Mãe tem suas vontades e necessidades jogadas para o lado para atender a cria. “Ahhhh mas mãe que é mãe faz isso feliz”. Ela tem escolha? Mãe é insegura. Mãe é uma mulher que se tornou tão vulnerável quanto como se sua pele do peito fosse arrancada e o coração estivesse exposto ali assim tão fácil de ser machucado.

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Mãe se culpa, se culpa, se culpa diariamente e se questionará como mãe para o resto da vida pois a sociedade não vai cansar de apontar o dedo e lembrá-la de como ela provavelmente está fazendo isso errado.

Mãe é uma mulher que sonhou com a maternidade romântica e sofreu muito para adaptar-se quando viu que a realidade é bem diferente. E que, por conta da poesia que todos pensam quando se fala em “ser mãe”, ela não se sente no direito de reclamar. Não sem se sentir envergonhada ou culpada. PorqueMÃE É MÃE, dizem todos. Essa frase opressora que serve de justificativa para que aceitemos todo o peso da maternidade sem reclamar, quase como se fosse “agora aguenta”.

E é claro que eu escrevo esse texto com o coração e com culpa, pois afinal MÃE É MÃE, né? O que eu estava pensando? Ainda bem que, no sofrimento, na surra, nas situações difíceis nós também crescemos. Agradeço a maternidade por me mostrar o quão forte nós realmente somos. E você nos subestima patriarcado, quando acha que a falta de tempo que a maternidade acarreta vai nos calar. Estamos juntando nossas forças. Nos aguarde.

Sobre a autora 

Julia Harger. Apaixonada por veganismo, animais, Ashtanga e SUP yoga, cozinha crudivora, nutriçao vegana e agora pela Dominique. Daqui da Australia, divide a jornada que será passar seus valores de amor e respeito aos animais à Domi. Criaçao com apego, amamentaçao prolongada, parto natural e tudo que tenha a ver.

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