Dia da Consciência Negra: a fama não mascara existência do preconceito racial

 

Nesta quarta-feira (20/11), quando é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, falou com alguns artistas para avaliar o atual cenário do negro na sociedade. E para eles o preconceito ainda é muito presente. 

“A situação do cidadão negro está bem melhor do que antes, embora acredite que aquilo que ainda é oferecido ao negro tem aparência de esmola, ou correção de um erro histórico, o que é feito de uma maneira não tão justa”, diz o músico Péricles.

O cantor Thiaguinho endossa: “Cada dia mais o negro ocupa posições melhores na sociedade, mas ainda está muito longe do que sonhamos. Precisamos de muito mais oportunidades pra mostrar nosso valor.”

Dados divulgados na última quarta-feira (13/11) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) comprovam a observação dos músicos. Segundo o estudo “Os Negros no Mercado de Trabalho”, a raça negra ocupa cargos de menor qualificação, o que reflete em salários mais baixos, para conseguir igualdade de oportunidade. Resultado: o trabalhador negro ganha, em média, 36,11% de salário a menos do que um trabalhador de outra raça.

O professor doutor José Vicente, reitor da faculdade Zumbi dos Palmares, acredita que o cenário atual dos negros no mercado de trabalho está “esperançoso”, mas também “preocupante”.

“Preocupante porque as demandas desse tema estão sendo pouco atendidas, e com isso vamos precisar de mais tempo necessário para fazer uma justa reparação desse público. E esperançoso porque, apesar dos pesares, alguns prenúncios têm se manifestado através de anúncios públicos específicos, como por exemplo, o da presidenta (Dilma Rousseff), de que teremos cotas para negros a cargos públicos”, afirmou o doutor, que considera o esquema de cotas “importante e imprescindível para o processo de igualdade brasileira”.

“Sonho que no futuro seja mais fácil, que eu não precise me esforçar tanto”, diz ator

O ator Nando Cunha, que interpretou o personagem Pescoço na novela “Salve Jorge”, sente a dura realidade em sua profissão. “Já sofri preconceito de vários tipos. Sempre ouvi: ‘esse papel não é para o seu perfil’. Mas quando me dizem um ‘não’, tenho uma força maior. Sonho que no futuro seja mais fácil, que eu não precise me esforçar tanto”, comenta. 

“Se eu tivesse olho azul, fosse loiro, branquinho, seria muito mais fácil. Mesmo com todo esse sucesso que fiz, não estou escalado para nada. Se fosse um branco no meu lugar, que fizesse esse sucesso todo, não estaria desempregado. Sei do meu potencial e do que sou capaz de fazer. Apenas sonho que a disputa seja normal para todo mundo. E não reclamo do privilégio dos outros. Só quero os mesmos direitos”, completa ele.

Péricles diz também já ter sido vítima de crime racial. “Já sofri e a maioria das pessoas sente todos os dia pelo simples fato de serem ‘diferentes’ dos demais, sendo que não somos iguais, porém não enxergamos isso. Graças ao ensinamento que recebi na infância, principalmente da família, aprendi que não sou melhor que ninguém, mas ninguém é melhor que eu.”

Thiaguinho não é exceção. “Todo negro no Brasil já sofreu preconceito e ainda continua sofrendo. Mas nunca fui impedido de realizar algo por isso.”

Falta de referência negra em cargos importantes
Lázaro Ramos  é um dos atores negros que consegue quebrar barreiras. Depois de viver o galã André na novela das nove da Globo, “Insensato Coração”, ele recentemente interpretou o protagonista Zé Maria dos Santos na trama das seis, “Lado a Lado”.

Segundo ele, os artistas negros ainda têm de vencer muitos obstáculos. “Ainda há muito para ser feito, mas já caminhamos bastante e temos exemplos, como (a atriz) Ruth de Souza, que mostram para os jovens que esse é um sonho possível. Me inspirei em muitos outros nomes, como Milton Gonçalves, Antonio Pitanga, etc.”

Ainda de acordo com o estudo, os negros têm mais dificuldade de chegar aos cargos de planejamento e de direção. Na visão do ator e cantor Jonathan Haagensen, integrante do grupo musical Melanina Carioca, o negro tem que aceitar o emprego que é proposto para se sustentar.

“Na verdade, é a única opção do negro. Ou ele trabalha, ou trabalha. Não tem escolha, é essa a condição. Isso está relacionado ao que o sistema preparou para a nossa classe. Na maioria das vezes, o negro não tem acesso à cultura, à saúde, às necessidades básicas que são constitucionais. Então, se ele não está preparado, não tem como competir de igual para igual”, declarou.

Já Nando Cunha acredita que a dificuldade em alcançar altos postos está na falta de referência negra. “A criança negra precisa de negros no poder. Ela vai ao médico e não tem um médico negro que a atenda. Vai ao dentista, a mesma coisa. Chega no dermatologista para cuidar da pele e não é um da mesma cor. Nem muitos professores negros nós temos. Então, como negra, essa criança vai achar sempre que seu trabalho é inferior. Em vez de tentar um curso de medicina quando crescer, vai tentar o de enfermeiro, porque é difícil ter um profissional qualificado como referência”, avaliou.

O intérprete de Pescoço acredita que existem poucos autores como Manoel Carlos, que lançou Taís Araújo, como a primeira protagonista negra da teledramaturgia brasileira.

“Falta coragem aos autores. Também faltam diretores negros. Você tem que interpretar um personagem porque é capaz de fazer, não pela cor. Faltam dramaturgos negros para contar a nossa história. As pessoas nos olham pelo perfil. A mesma coisa acontece no teatro. Será que vão me dar Hamlet para fazer? Ou será que um dia vou conseguir interpretar um Romeu e Julieta? Falta coragem e atitude, a arte está acima disso tudo.”

Para ajudar a combater o preconceito e a promover a igualdade, Nando acredita nas políticas sociais. “A gente deveria colocar mais em questão a pauta das cotas raciais e as oportunidades que temos. As cotas não são a solução para o problema, mas ajudam a criar referências futuras. Desde que os negros foram libertos, as oportunidades não foram iguais.”

Já para Jonathan, o caminho para promover a equiparação entre as raças e diminuir a desigualdade social é a educação. “Seu filho só vai desenvolver aptidões diferentes se tiver as mesmas condições, o mesmo acesso. Aí, dependendo do desenvolvimento dele, você é quem vê para a área que ele vai seguir. Nós, negros, construímos esse país e não temos mérito nenhum. Você não vê um negro nos cargos de privilégio. Só com reeducação da consciência da sociedade vamos mudar isso. Afinal, somos todas da mesma raça: humana. As pessoas conseguem exercer a hipocrisia. Só sou aceito porque sou conhecido. E isso reflete da nossa sociedade.”

Jonathan ainda diz que se o preconceito fosse combatido na base, não precisaria existir o Dia da Consciência Negra.

“Acho um pouco forçado ter que existir o dia. Deveria ser falado na escola, exaltar a história real, contar sobre o processo de opressão aos negros. A gente tem que evoluir porque a sociedade é preconceituosa o tempo inteiro”, avaliou. Já para Péricles, o dia 20 de novembro ajuda a propagar os valores que estão enraizados em nossa sociedade. “Para mim, serve para que as outras pessoas, que não sabem ou não reconhecem, saibam o quanto existe de negritude na formação do Brasil e do mundo.”. Thiaguinho é da mesma opinião: “Acho (o dia) importantíssimo! Até pra lembrar o sofrimento dos negros ao longo da historia do Brasil, desde a época da colonização do país e a importância do nosso povo negro para a construção desse Brasil.”

 

 

Fonte: Tribuna da Bahia

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