Por Viviana Santiago Do Racismo Ambiental
História 1: Meu primeiro emprego depois de me tornar uma mãe solteira
Eu lembro bem dessa experiência, pra ser bem sincera nunca consigo esquecer.
Eu tinha 24 anos, um filho de três meses para sustentar e nenhuma grana no banco.
Tinha saído de uma experiência de trabalho precário antes da gravidez e pedia a todos os santos por um emprego. Quando esse emprego apareceu e eu agradeci aos céus e fui com toda a minha dedicação trabalhar agradecida e pela certeza de que agora eu ia poder cuidar e suprir toda as necessidades do meu filho.
Sou pedagoga e fui contratada por uma empresa relativamente nova, para elaborar projetos pedagógicos; no escritório todas as pessoas eram brancas, eu ia ser a primeira negra por ali;
No final de uma agitada primeira semana de trabalho (duas vezes me ligaram propondo que eu chegasse mais cedo pois havia muito que escrever) vivi uma das mais dolorosas experiências da minha vida: Uma das sócias proprietárias me chama para conversar: tece elogios a minha prática, que minha escrita era muito boa, que eu era muito educada e tinha maneiras excelentes ao telefone (?!)
mas ela precisava fazer uma observação: eu tinha um cheiro que incomodava as pessoas, que algumas pessoas já tinham pedido sua intervenção…
me dizia que sabia que era uma situação constrangedora; Eu me lembro de ficar ali, sem palavras, prendendo o choro, mas vinha mais: ela me diz que está chateada com a situação, mas eu precisava entender que tentavam manter o escritório num nível muito alto, pois recebiam muitas pessoas muito importantes, mas ela gostava muito do meu trabalho, por isso, me informa, ela decidiu entender que as vezes, algumas pessoas em um cheiro muito forte e me oferece um dos seus desodorantes.
Eu lembro muito bem da minha sensação, sentia uma vergonha, os olhos ardendo, das lágrimas que eu tentava reprimir, a voz não saia… Me sentia tão humilhada; Na volta pra casa arrasada, a sensação de vergonha e de estar inadequada me seguindo a cada passo, a vontade de não voltar ao trabalho no outro dia… Mas desistir não era uma opção, tinha um filho pra criar e alimentar, não podia abrir mão do salário. E assim engoli as lágrimas e voltei ao trabalho às 7h da manha seguinte.
Depois de algumas semanas, toda a equipe viajou e eu fiquei sozinha no escritório, nessa tarde, por volta das 14h um dos sócios chega e precisa resolver muitos assuntos de pagamento, e ele me perguntou se eu podia ir ao banco descontar um cheque.
O banco ficava a uns 10 minutos de caminhada do escritório, fui, com uma sensação de inquietude, porque eu estava fazendo aquela tarefa? Eu havia sido contratada para escrever projetos, será que ele pediria isso à coordenadora branca caso ela estivesse sozinha no escritório?
Fui ao banco, enfrentei uma fila enorme e saquei o dinheiro. Nova caminhada até o escritório. Entreguei o dinheiro e voltei a minha sala para trabalhar. Um minuto depois o sócio chega a minha sala, irado, diz que esta faltando dinheiro. Me pergunta se eu não vi. Eu disse que não, ele me diz que quer o dinheiro completo, e decide ir comigo até o banco para pedir que o atendente do caixa lhe entregue a diferença. Vou com ele. Na rua ele vai irritado, reclamando. Ao chegar ao banco, informo ao atendente do caixa o que aconteceu, ele me diz que só pode me entregar a diferença de valor no final do dia, quando conferir seu caixa e observar que está sobrando. Informo isso ao chefe, que decide voltar ao escritório e me deixa no banco esperando.
E eu esperei, esperei por muito tempo, por horas. Ate o banco fechar, até que o banco fechou e não havia quase ninguém lá dentro.Um gerente se aproxima e ao me ver ali em pé perto do caixa, pergunta o que estava havendo, diante da explicação, ele pergunta quanto é que está faltando. Eu informo , ele se espanta, puxa sua carteira, tira 10 reais e me entrega.
Fico mais uma vez paralisada. Uma vergonha, me sentindo tão humilhada. Pego seu dinheiro e volto ao escritório. Já era noite. Entrego o dinheiro e aviso que se não houver mais nada, vou organizar minhas coisas para ir pra casa. Quando chego ao ponto de ônibus, meu celular toca. O chefe pede que eu volte ao escritório.
Chegando la em cima, vou a sua sala e ele está irado, me perguntando pelo dinheiro. Onde foi que guardei? Eu digo que entreguei a ele e que vi quando ele colocou no bolso da camisa. Ele apalpa o bolso, deve ter sentido o dinheiro, porque olha para mim e somente diz seco: desculpe, lembrei.
Eu desço mais uma vez, vou chorando o caminho inteiro, agora não tinha nenhuma duvida, ele achava que eu tinha roubado o dinheiro. Ele achava que eu, a única pessoa negra do escritório, tentei por duas vezes naquele dia roubar seu dinheiro.
Fui durante todo o caminho chorando, perto de casa, enxugo meu rosto, quando abro o portão, minha irmã vem sorridente me entregar meu bebê; às pressas termino de me recompor. É dia 05 de agosto: estavam me esperando para comemorar meu aniversario.
*Esse texto foi escrito originalmente em espanhol e será publicado por Afroféminas, numa nova sessão que pretende reunir histórias de racismo vivenciadas por mulheres negras iberoamericanas, caribenhas nessa diáspora negra.