O esporte é incapaz de curar o ódio racial

Chocado com as imagens que correram o mundo de protestos realizados por supremacistas brancos e simpatizantes neonazistas nos Estados Unidos, começo a coluna de hoje. Manifestações em Charlottesville, no estádio da Virgínia, que terminaram com a morte de uma mulher. Desde pequeno, quando se é negro, afrodescendente, ou qualquer definição – algumas delas vulgares e pejorativas que muitos usam para estabelecer a questão racial – entende-se que você não pode ser apenas bom, você precisa ser duas vezes melhor do que é. Para alguns, tudo não passa de vitimização, mas existe uma conta, uma dívida que a escravidão deixou que nem mesmo séculos serão capazes de abater tal débito.

Foto: NBAE via Getty Images

por Josias Pereira no O Tempo

É chocante, em pleno século XXI, vermos cenas de pessoas pelas ruas carregando tochas e gritando cânticos ofensivos a negros e judeus, atacando homossexuais e exaltando a supremacia ariana. Monstros, terroristas domésticos travestidos de cidadão de bem. O nazismo, o fascismo, que moveu o planeta em uma guerra sangrenta, volta mais presente do que nunca e amparado por direitos constitucionais dentro do país mais poderoso do mundo. O ser humano não aprende com seus próprios erros.

O debate está muito além das oportunidades, do estudo, das cotas. É psicológico. Uma agressão diária que o negro sofre por julgarem sua conduta em estereótipos já criados e que acentuam a discriminação, mesmo que surda e muda. Basta apenas uma faísca para que o preconceito enraizado surja.

E aí você pode me perguntar: o que isso tem a ver com o esporte? Os Estados Unidos possuem as ligas esportivas mais dominantes do planeta. Todos os times da NFL, a liga profissional de futebol americano, por exemplo, estão entre as marcas mais valiosas do mundo. Na mesma proporção em que os times faturam milhões, a ‘força de trabalho’ que sustenta a lógica do mercado é formada por esportistas negros.

Dados confirmam que quase 80% dos atletas da NBA são negros. Na NFL, os números passam dos 70%.

No entanto, a presença de ídolos do esporte como Michael Jordan, Jerry Rice, Magic Johnson, LeBron James, Muhammad Ali ou Carl Lewis, é insuficiente para estancar as feridas do racismo nos EUA.

A premissa da união entre povos e raças que fomenta o esporte é utópica. E aí não escapa ninguém, mesmo se você for ‘duas vezes’ melhor do que é. Inúmeros são os atletas e jogadores de futebol que já sofreram com o racismo, tanto que a FIFA e a UEFA precisaram criar campanhas de conscientização contra tais atos. Recentemente, a família do atacante Vinícius Jr., do Flamengo, sofreu com injúrias raciais dentro do estádio. Daniel Alves, Hulk e tantos outros engrossam a lista de vítimas.

E ainda há quem enxergue tudo como um mero vitimismo. A sociedade está doente. Já basta de ódio. O ser humano precisa deixar sua complexidade ideológica e entender que todos fazemos parte de um único sistema, vivemos debaixo do mesmo céu, andamos sobre a mesma terra. Até quando a cor da pele, nacionalidade, religião ou opção sexual vão ditar o quão bom você é?

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

EUA alertam para crescimento de racismo, incluindo exército

Fonte: Terra - Um relatório organizado recentemente pelo Departamento de...

Advogada acusa mecânico de racismo

Advogada acusa mecânico de racismo. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul-...

O racismo não bateu à porta, mas entregou uma carta

Não é novidade que o Brasil é um país...
spot_imgspot_img

Brancos, vamos falar de cotas no serviço público?

Em junho expira o prazo da lei de cotas nos concursos públicos. A proposta de renovação apresentada pelo governo Lula e elaborada de forma interministerial tem sofrido...

O Brasil branco é um produto de cotas

Quem observa a oposição às cotas raciais nas universidades e no serviço público é capaz de pensar que o Brasil nunca adotou cotas anteriormente. Errado. O...

Folha ignora evidências favoráveis às cotas raciais

Na quinta-feira (7), pela oitava vez, esta Folha publicou um editorial ("Cotas sociais, não raciais") explicitando sua posição ideológica sobre as cotas raciais, negando os evidentes resultados...
-+=