Direitos sociais: desmoralizante retrocesso brasileiro

Os direitos sociais são direitos fundamentais da pessoa humana, que o Brasil se comprometeu juridicamente a respeitar e efetivar. Existe, portanto, além da exigência ética de respeito aos compromissos assumidos, a perspectiva de que o Brasil seja enquadrado entre os mais atrasados com relação aos direitos humanos, se persistirem as lamentáveis e desmoralizantes investidas, vergonhosas e inconstitucionais, contra os direitos sociais.

Por Dalmo de Abreu Dallari Do Jornal Do Brasil

Do ponto de vista dos compromissos éticos e jurídicos, é necessário lembrar que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1988, cujo artigo 22 afirma enfaticamente: “Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e os recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.” Depois disso, e justamente para reforçar a eficácia jurídica  dessa proclamação, a ONU aprovou, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O Brasil aderiu expressamente a esse Pacto, que foi formalmente integrado à ordem jurídica positiva brasileira por decisão de Congresso Nacional de 12 de Dezembro de 1991, oficialmente publicada em 6 de Julho de 1992. A ele aderindo, o Brasil comprometeu-se a dar efetividade aos seus dispositivos, merecendo especial referência o artigo 2º que assim dispõe: “Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”.

Um dado que deve ser ressaltado é que antes da adesão formal aos Pactos Internacional de Direitos Humanos o Brasil aprovou, na mesma linha, a Constituição de 1988, que tem sido referida e louvada em congressos jurídicos internacionais como uma das mais democráticas do mundo. E para fundamentação dessa avaliação é comum que sejam referidos o modo de elaboração da Constituição de 1988 e o seu conteúdo. De fato, essa Constituição foi elaborada com intensa participação do povo, que apresentou propostas de emenda ao projeto de Constituição. E uma dessas propostas populares acolhidas pelos Constituintes foi a consagração da democracia participativa, que, entre outras peculiaridades, assegura ao povo o direito de propor projetos de lei. A celebrada Lei Maria da Penha resultou precisamente de um projeto de iniciativa popular.

Em relação ao conteúdo, entre os avanços constantes da Constituição brasileira encontra-se a acolhida dos dois Pactos Internacionais dos Direitos Humanos. É oportuno ressaltar aqui, como uma das provas evidentes do retrocesso que está sendo imposto ao Brasil neste momento pelos atuais detentores do poder político, o que dispõe o Preâmbulo da Constituição: “Nós, representantes do povo brasileiro,reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias…”. E no artigo 5° há uma longa e minuciosa enumeração dos direitos individuais, o que se completa com o disposto no artigo 6º que proclama e específica os direitos sociais, nos seguintes termos: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.

O que vem ocorrendo agora, por decisões já concretizadas ou anunciadas por agentes governamentais que dão absoluta precedência aos interesses econômicos ou às conveniências do mercado, está claramente em conflito com os dispositivos acima especificados, o que dá apoio à afirmação de que tais iniciativas são inconstitucionais. Assim, para citar alguns exemplos gritantes, está em curso uma proposta de emenda constitucional que reduz substancialmente a aplicação de recursos tendo por objetivo a efetivação dos direitos sociais. Alega-se que isso é necessário para reequilibrar a economia do País, entretanto, como já foi ressaltado por vários analistas autorizados, não há qualquer proposta visando retirar ou restringir as desonerações, os favores fiscais ou de outra espécie, que favorecem setores mais ricos da população. Na mesma linha, o Prefeito eleito de São Paulo anuncia a fusão das chamadas “secretarias sociais”, ou seja, os setores responsáveis pela busca de efetivação dos direitos sociais terão substancialmente reduzidos os seus recursos financeiros e seus meios de atuação. Obviamente, serão afetados os direitos sociais, entre eles a promoção da igualdade racial e a assistência social.

Por tudo o que foi aqui exposto, é profundamente lamentável, do ponto de vista dos Direitos Humanos, assim como da preservação da boa imagem do Brasil, o menosprezo inconstitucional dos direitos sociais em prejuízo de toda a cidadania para a obtenção de melhores resultados em termos econômicos. E para satisfação e proveito de setores das camadas mais ricas da população.

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