Ditadura e escravidão já foram, mas a tortura ficou

Em artigo para a Agência de Notícias das Favelas (ANF), Danilo Firmino critica a impunidade aos atos de tortura que se perpetuam mesmo após o fim da ditadura militar. Relatório, divulgado pela Anistia Internacional, aponta que no Brasil a maioria dos casos de tortura envolve violência policial e são direcionadas, sobretudo, aos jovens pobres e negros

As imagens acima mostram duas vítimas de grupos de “justiceiros” no Rio de Janeiro. A primeira, de janeiro de 2010, mostra um suspeito de tentativa de furto amarrado nu na Avenida Pasteur, Centro do Rio, por 40 minutos sob o sol de verão. Segundo o jornal O Dia, dois bombeiros teriam ajudado o grupo a despir e amarrar o rapaz, e um guarda municipal que passou de moto pelo local não teria prestado auxílio à vitima. A outra, é de 1 de fevereiro deste ano, e mostra um garoto negro, com cortes pelo corpo, nu e amarrado a um poste pelo pescoço por uma trava de bicicleta, no bairro do Flamengo. Esta última suscitou um debate polêmico a respeito de direitos humanos, segurança pública e os grupos de “justiceiros”.

O fato repercutiu até na Câmara de Deputados, em Brasília, com troca de farpas entre a deputada Benedita da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PP). Benedita criticou a violência contra suspeito de roubo e o deputado sugeriu que ela o adotasse. Assim como Bolsonaro, uma parte da população concorda com a atitude do grupo intitulado “Justiceiros do Flamengo”.

Num vídeo que circula pelas redes sociais, a polêmica e conservadora âncora do Jornal do SBT, Rachel Sheherazade, além de chamar o jovem, vítima de tortura, de “marginalzinho”, afirma que “a atitude dos ‘vingadores’ é até compreensível”, e conclui “O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite.” Veja o vídeo aqui.

O apoio ao ato de tortura contra o adolescente é criticado em artigo publicado na Agência de Notícias das Favelas (ANF). O autor, o estudante de Direito Danilo Firmino, traça um paralelo com fatos históricos para frisar que o Brasil tem uma trajetória marcada pela impunidade aos torturadores.

A afirmação do estudante é respaldada por dados do relatório divulgado no ano passado pela Anistia Internacional, que aponta a prática de tortura em 112 países, dentre eles, o Brasil. De acordo com o documento, a maioria das vítimas no país é jovem e negra. As estatísticas revelam denúncias de tortura e maus-tratos no sistema carcerário e os assassinatos cometidos por policiais, que continuam sendo registrados como auto de resistência ou resistência seguida de morte, sendo pouco investigados.

Por Danilo Firmino*, para a Agência de Notícias das Favelas

Tortura: 50 Anos Depois O Que Mudou?!

O último fim de semana foi bastante atribulado no Rio de Janeiro, minha cidade querida, que mesmo de longe, não consigo deixar de viver intensamente cada momento seu, os bons, como o carnaval, a alegria carioca de um povo lutador, guerreiro, que entregue a própria sorte de engarrafamentos enormes, quedas de passarelas, e outras coisas mais, consegue ser feliz…

Mas infelizmente, como todos os outros cariocas, sangro também com os momentos tristes e bárbaros que fazem embrutecer o cenário tão maravilhoso entre rochas, mares e florestas que nossa cidade se forjou, forjou-se com um povo, negro e batalhador que só enriqueceu mais nossa cultura misturada a esta natureza exuberante, em que índios viviam em fartura, antes do homem branco chegar!

Mas o homem branco chegou, os portugueses navegaram, dominaram terras, exploraram os povos e subjugaram colônias, como esta chamada Brasil. Mas passados tantos tempos até poderíamos dizer que é coisa do passado, papo chato e clichê, deixem o passado onde ele dever estar, somente na memória!

Pois bem, assim, eu queria! Mas ao assistir as cenas da última sexta-feira (30) no bairro do Flamengo é impossível! Um garoto negro, aparentemente, seus 16 anos, espancado, cortes de faca ou canivete pelo corpo, e orelha cortada, nu, amarrado a um poste pelo pescoço com uma corrente de prender bicicletas!

Cheguemos aos fatos a que motiva este singelo “desabafo”, pois no ano em que não comemora, porque não temos o que comemorar, e sim repudia-se os 50 anos do golpe militar que instaurou o maior regime de terror neste país depois da escravidão, em que jornalistas, operários, estudantes, mulheres, crianças e camponeses, professores e tantos outros, bastassem serem defensores da democracia, foram mortos e torturados ou exilados desta terra, unicamente, por defenderem igualdades, uma sociedade mais justa para todos. Olhamos na Zona Sul carioca um jovem negro como se via nos tempos da escravidão preso ao pau da praça pública para ser torturado.

No entanto, o que comprova a Polícia Civil do RJ que o rapaz torturado pelo grupo “Justiceiros do Flamengo” tem duas anotações em sua ficha criminal por furto.

Sim, ele poderia estar roubando mesmo, e por isso, responder por seus crimes, ou melhor, quais oportunidades que teve de fazer diferente? Se até então, embora a polícia o tenha identificado não o procurou para colher seu depoimento sendo vítima pública de um crime público e vexatório, hediondo e de lesa humanidade?

E é intrigante, por que nesta terça feira (4), 14 dos que julgam ser um grupo de quase 30 jovens de classe média da Zona Sul Carioca, foram presos e levados até a 9ª DP (Catete), alguns deles menores de Idade, todos acusados da tortura do jovem na sexta feira, e de outras suspeitas como espancamentos a mendigos e gays na região, como fora feita uma denúncia em Botafogo no último domingo.

Todas estas denúncias, de teor gravíssimo, são tratados com extremo vigor pelo Código Penal Brasileiro, e pela Carta Constitucional de 1988, e todos os tratados internacionais de Direitos Humanos que o Brasil é signatário. Ademais, estas 14 pessoas não foram autuadas pelo crime que as fez serem levadas até à delegacia de polícia, e sim, os maiores pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção de menores.

Todos pagaram fiança e já estão soltos! E há uma pergunta lógica e jurídica a ser feita: por que não foram autuados pelo crime de tortura ou lesão corporal gravíssima?

Em entrevista ao Jornal O Dia, a delegada da 9ª DP, Dra. Monique Vidal disse que a polícia trabalha para identificar os agressores do menor. “Estamos investigando e tentando identificar os responsáveis. Procuramos os garotos que fazem parte da gangue e o adolescente que é vítima e infrator, já que ele tem duas passagens pela polícia, para ajudar a reconhecê-los”.” Vidal deu esta entrevista antes da prisão dos agressores. Frisa-se algo lamentável, Vidal faz questão de exaltar que a vítima é infrator, no entanto, os outros são só garotos.

Volto aos temas do que é passado: não punimos os torturadores do passado. A tortura persiste; não encontramos Amarildo: já têm mais mortos no Juramento; Resistimos aos anos de chumbo. Não podemos continuar no salto alto desta democracia!!! É preciso mais…

*Danilo Firmino é membro da Central Sindical e Popular – Conlutas RJ e representante da Associação de Moradores de Honório Gurgel

Fonte: Brasil 247

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