Do afeto potente, da luta e da ancestralidade, nasce a Enegrecida

Eu nunca imaginei que meu um trabalho de conclusão de curso poderia virar meu projeto de vida. E nunca imaginei também que faria uma carreira multiárea com ela e estaria escrevendo para cá, por exemplo. Mas aqui estou.

Me perdoe, ainda nem me apresentei direito. Me chamo Carolina Brito, sou paraibana, produtora, empreendedora, artvista, pesquisadora, amante da cultura popular, e o mais importante: Idealizadora e diretora da Enegrecida.

São anos dedicados a esse capitulo que encaminha todo o resto da minha vida de quase 27 anos de vivência de sonhos e desistência. Falo isso porque as duas coisas me fazem quem sou hoje e o que construo junto com a Enegrecida. Os marcadores sociais me fizeram questionar desde muito cedo onde eu podia estar e o que eu poderia construir. Todos esses e outros detalhes alimentaram uma insistência em mudar a minha realidade e dos meus, ao mesmo tempo que me causam um mix de sentimentos grandes: a ansiedade, o entusiasmo e o medo são alguns dos principais.

Para quem não conhece a Enegrecida nasceu como trabalho de conclusão de curso, lá em 2016+1, um projeto multimídia que tinha como temática principal a mulher negra brasileira e vários marcadores da nossa existência. Era/é um TCC com arte. Fotografia, literatura, dança, moda e vídeo se unem em prol de uma ideia. Brinco dizendo que é meu grande trabalho de virginiana, pois cada detalhe foi feito pensado com muito carinho e bastante precisão. Um projeto que fala, também sobre meu processo de enegrecer, de aceitar minha identidade e poder ter orgulho dela. Foi o primeiro trabalho de conclusão do meu curso a tratar sobre afrobrasilidade.

Depois de nascido, o projeto ganhou o mundo. Foram palestras, exposições, mesas redondas, apresentações e muitas outras coisas. Estive em escolas, universidades, halls, meio de rua, galerias, pátios, onde fosse preciso e possível. Conhecemos lugares, pessoas, histórias. Tocamos muita gente e tocamos com afeto. Começamos a trabalhar com campanhas sociais, procurando amenizar impactos das estruturas sociais para os nossos. Foram workshops, rodas de conversa para mulheres negras, campanhas de arrecadação de brinquedos e alimentos e muitas outras coisas. Depois de um tempo depois passamos a ter página e loja, depois disso não paramos mais.

Não era pretensão nossa ser uma página na internet, mas eu precisava divulgar as atividades. Não era pretensão nossa ser uma marca, mas acreditando que esse sonho era sim meu projeto de vida, decidi que iria atrás de conhecer outras pessoas que constroem uma realidade a qual quero viver. Fui atrás do Festival Afrolatinas, em SP, para encontrar as minhas e voltei lá empreendedora, porque isso custou meu emprego. As pessoas costumam dizer que os empreendedores começam por oportunidade ou necessidade, quando se é preto no Brasil, as duas opções se tornam uma. Nem sempre é por amor, é para, muitas vezes, criar uma oportunidade de colocar comida no prato. Comecei empreendendo com R$300,00 emprestado de um amigo, estando a quilômetros de distância de casa e com um destino totalmente incerto. Assim iniciei a primeira loja totalmente voltada para moda afro na minha cidade, Campina Grande – PB.

Sabe o mais engraçado nessa história?! É que continuo com um destino incerto, mas a vontade de construir mudança só aumenta. Como tudo na nossa história é de movimento, nossa presença já é outra, nossos planos são outros e, hoje entendo que a Enegrecida é um mundo. Muitas vezes Carol e Enegrecida pareciam ser uma só, mas entendi depois que andamos de braços dados, mas construindo nossas próprias histórias que tem essências em comum.

Dia 8 de maio completamos 4 anos de história. Um caminho criamos laços, autoestima e o principal, esperança! Um caminho só, mas nunca solitário. Podemos contar com várias pessoas nesse processo para enfim deixarmos de ser euquipe e ganhar braços, pernas, lugares e histórias. Hoje atuamos em três frentes principais: a iniciativa social, a loja e a página. Mudamos nossas cores, nossas aplicações e, também, nossa forma de se jogar no mundo.

É um passo para o futuro, mas sempre de olho no passado. Como nossos ancestrais, que abriram caminhos para nós.

Tudo isso para estarmos sonoras, táteis, fortes e vivas!

Enegrecida é Ubuntu, é Sankofa, é a representação do itã “Exu matou um pássaro ontem com a pedra que arremessou hoje”. Estamos reinventando nosso passado a todo momento, estamos olhando para ele, criando redes e construindo o mundo que gostaríamos de viver.

A cada novo passo dado, uma injeção de ânimo era dada em nossa história. Aquela menina, de Campina Grande, do interior da Paraíba, sabe hoje que está construindo algo gigante, porque ela é uma Negra que Move.

Se foi possível chegar no Programa Marielle Franco, do Fundo Baobá, no Afrolab Digital (da Feira Preta e British Council Brasil), no curso Motim (curso de extensão da UFBA) e no Empreendedoras Periférias (do Instituto GPA, em parceria com a Fundação Tide Setubal) e em todos eles sendo a primeira paraibana a acessar esses espaços, é porque estamos abrindo caminhos também. A Enegrecida me deu vontade de voar e sigo desafiando a mim em todos os novos passos, encorajada pelas pessoas que encontrei neste caminho.

Todas as vezes que eu pensei em desistir de seguir esse caminho a dois para focar em um caminho solo, lembrava de como nascemos para ocupar espaços e impactar vidas. Me perguntei várias vezes sobre “quem disse que não podemos ser multiplas?” E isso me fazia entender que quanto mais eu construía, mas eu entendia que a Enegrecida é um mundo.

Nós já nascemos grandes, agora queremos ser gigantes e isso só é possível pela coletividade!

E não podíamos resumir melhor esse momento se não com: Afeto é potência!

Não existe Enegrecida sem afeto. E acreditamos muito que somos potentes. Porque a Enegrecida é afeto, empoderamento e emancipação!

Carolina Brito é paraibana, pós-graduanda em História e Cultura Afro-brasileira, MBA em produção de conteúdo para mídias digitais e Bacharela em Arte e Mídia – UFCG. Artvista, produtora cultural, pesquisadora, empreendedora, criativa, aprendiz e dançante. É diretora e idealizadora da Enegrecida e líder apoiada no Programa Marielle Franco, do Fundo Baobá.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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