Segundo a polícia do Rio de Janeiro, o massacre que resultou em 28 mortes, na última quinta-feira que antecede o Dia das Mães, tinha como foco combater esquemas de aliciamento de crianças e adolescentes. A chamada “Operação Exceptis” foi montada pela Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) com outras delegacias da Polícia Civil do estado com o objetivo de realizar a busca e apreensão de 21 pessoas.
A consequência foi assistida por todo o mundo em tempo real: a chacina mais letal da história. A tragédia ocorrida anula por completo a ideia de que a proteção à infância e adolescência era a meta da operação policial, ainda assim, temos acompanhado desde então a doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes ser usada como escudo pela polícia, que por sua vez, apresenta como resultado a apreensão de armas e drogas, ignorado todos os traumas, danos e a destruição à infância de dezenas de crianças da favela do Jacarezinho.
Embora o artigo 227 da Constituição Federal brasileira determine que todas as crianças e adolescentes têm absoluta prioridade de seus direitos, devendo estes serem garantidos pelas famílias, pela sociedade e pelo Estado, é notório que a proteção integral de crianças e adolescentes não inclui de fato as crianças e adolescentes negras, pobres e periféricas do Rio de Janeiro, ou de qualquer lugar do Brasil.
O secretário da Polícia Civil do Rio de Janeiro disse no túmulo do único policial morto no massacre que “não foi em vão”, será que o aliciamento de crianças teve fim? A sequência de fatos ocorridos, brevemente expostas a seguir, demonstra como a proteção de crianças e adolescentes negras, pobres e periféricas não é (e nunca foi) uma prioridade, mas precisa ser urgentemente.
- No final do ano passado, em plena pandemia, o prefeito do Rio de Janeiro autorizou o fechamento de escolas e a abertura de shoppings centers. Embora haja uma ampla e importante discussão sobre a reabertura de escolas, não resta dúvidas que o investimento da educação é a ação mais inteligente durante os períodos de crises. Neste sentido, importante destacar que segundo o Unicef, “priorizar a reabertura segura das escolas e garantir o direito de crianças e adolescentes à educação são ações essenciais”.
- Em abril, o Rio de Janeiro atingiu a triste, e revoltante, marca de 100 registros de crianças baleadas, entre elas alguns nomes se tornaram inesquecíveis como das meninas Maria Eduarda, Agatha Felix, Emily e Rebeca, e o menino João Pedro, o que revela uma verdadeira guerra contra a infância no estado carioca.
- Desde o dia 27 de dezembro, as três crianças Lucas, Alexandre e Fernando, seguem desaparecidas. De acordo com a Defensoria Pública do Estado houve descumprimento do protocolo especial de busca de crianças e adolescentes evidenciando a despreocupação da polícia com os desaparecimentos. Quase quatro meses depois, ainda nos perguntamos, onde estão as crianças de Belford Roxo? Segundo dados identificados pela Fundação para a Infância e Adolescência (IFA) as crianças negras são maioria entre os desaparecidos, e apenas no estado do Rio de Janeiro representam 73,18% do total.
- “A cama da criança estava encharcada de sangue”, esta frase, e muitos outros relatos identificadas em vídeos de moradores da favela do Jacarezinho, indica o quanto definitivamente as crianças e adolescentes não eram prioridade na chacina realizada.
Mesmo sem dados efetivos, a seguinte reflexão se faz necessária: onde estava o Estado quando estes que foram mortos também eram crianças e adolescentes? É importante lembrar que nenhum jovem, adulto ou idoso nascem crescidos, todos também já foram crianças e adolescentes e provavelmente tiveram seus direitos violados pelo Estado, pela sociedade e por famílias. E que agora passam a ser vistos meramente como “bandidos”, esta categoria descartável da sociedade, desde que preta, pobre e favelada.
Outro ponto de atenção é o fato que crianças foram expostas a cenas de violência que marcaram suas vidas para sempre. Embora ainda não se saiba, também é importante questionar quantas das pessoas mortas eram mães, pais, cuidadores ou responsáveis por crianças e adolescentes, e como estas crianças ficarão a partir de agora, o Estado assegurará sua proteção integral?
Por fim, dedico estas palavras escritas às mães da favela do Jacarezinho, principalmente às 28 mulheres que perderam suas crianças – minha mãe me ensinou que filho nunca cresce, não importa o que aconteça – que terão Dias das Mães mais difíceis, a partir deste ano; e também às crianças que um dia foram àqueles que hoje são responsabilizados pelas ausências e silenciamentos de quem deveria ter chegado antes com um livro, mas chegou agora com uma arma cheia de balas rompendo vidas.