Para maioria dos Tribunais do Trabalho, mensalista é aquela que trabalha mais de dois dias por semana; para alguns, são necessários três
Se um diarista trabalha mais de dois dias por semana para um mesmo patrão no Brasil, é provável que seja considerado um empregado com direito a registro em carteira. Esse é o entendimento mais comum entre os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) do País, de acordo com um levantamento nacional feito pelo iG . Em alguns Estados, porém – como o Rio – é preciso trabalhar mais de três dias.
O número de trabalhadores que prestam serviço em mais de uma residência quase dobrou em dez anos. Em 2001, eram 1 milhão e, em 2011, já representavam cerca de 2 milhões dos 6,7 milhões de domésticos do País, ou 30% da categoria. Esse avanço deve ser impulsionado pela nova lei das domésticas, sancionada em abril .
Mas, até hoje, o Congresso Nacional não definiu quem é, exatamente, o diarista. Por isso, se há uma divergência entre quem contrata e quem presta o serviço, a solução é ir para a Justiça. E, nos processos, o número de dias trabalhados por semana costuma ser fundamental para diferenciar uma faxineira de uma doméstica com direito a contrato de trabalho, por exemplo.
Acontece que a Justiça também não chegou até hoje a um entendimento único sobre o assunto. Embora no Tribunal Superior do Trabalho (TST) – última instância trabalhista – a posição majoritária seja a de que é diarista quem trabalha “dois ou três dias” por semana, o órgão não editou uma súmula sobre o assunto. Nem deve editar, conforme disse em abril a ministra Delaíde Miranda Arantes, em entrevista ao iG.
A maioria dos TRTs, entretanto, já chegou a um posicionamento mais ou menos pacificado sobre onde termina a figura do diarista e começa a do mensalista. Em dez dos 24 tribunais, quem trabalha mais de dois dias na semana para o mesmo patrão tende a ser considerado mensalista. Ou seja, se o empregador não registrar esse empregado, é grande a chance de de que seja obrigado a fazê-lo pela Justiça – e pagar todas as verbas devidas.
Nas nove unidades da Federação cobertas por esses dez TRTs – Tocantins, Pernambuco, Santa Catarina, Paraíba, São Paulo, Bahia, Ceará, Piauí, Mato Grosso e Distrito Federal –, havia, em 2011, cerca de 940,5 mil domésticos que trabalhavam para mais de um patrão, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).
Em quatro Estado, entretanto, só é mensalista quem trabalha mais de três dias – mais da metade da semana: Rio de Janeiro, Acre, Rondônia e Goiás. Neles, em 2011, viviam cerca de 14% dos domésticos que trabalham para mais de um patrão, ou 275,7 mil pessoas.
O Tribunal fluminense, aliás, é o único do País a ter uma súmula sobre o assunto – nos demais, trata-se de um entendimento majoritário ou tendência, informam os TRTs. Editado em 2011, o texto diz que o trabalho doméstico prestado “até três vezes por semana não enseja configuração do vínculo empregatício”.
“Há defenda que deve haver trabalho todos os dias da semana – logo, 6 dias – por várias semanas, para caracterizar o liame empregatício doméstico. Outros afirmam que gera o vínculo mais de 4 dias de trabalho por semana. Há, ainda, aqueles menos radicais que advogam que que o trabalho por mais de 3 dias semanais equipara-se ao trabalho contínuo (…). Daí a necessidade do TRT da 1ª Região (RJ) em uniformizar sua jurisprudência”, diz a desembargadora do TRT-1, Vólia Bomfim Cassar, doutora em Direito e Economia e que fará uma palestra sobre os direitos dos domésticos no próximo dia 2 de maio.
‘Os diaristas foram esquecidos’, diz juiz
A dificuldade em diferenciar mensalista e diarista decorre da própria lei das domésticas (5.859/72), que em vez de falar em “não-eventualidade” como requisito para o vínculo empregatício – como no caso dos trabalhadores celetistas –, fala em “continuidade”.
“Isso para mim é um artifício”, diz o diretor do Fórum Trabalhista de Brasília, juiz Antonio Umberto. “Se você pegar um professor universitário que dê aula para duas turmas todo sábado, ou um médico que dê um plantão semanal, ninguém vai ter dúvida de que ele é um empregado. Acho que [a diferença entre as duas categorias] é um resquício de preconceito histórico que acaba repercutindo na jurisprudência, inclusive do TST.”
Para o juiz, ao aprovar a nova lei das domésticas, o Congresso perdeu a oportunidade de definir exatamente a figura do diarista, e acabou por criar, mais uma vez, tipos diferentes de trabalhadores, com diferentes direitos.
“Antes eles estavam num barco parecido com os domésticos, de precariedade e poucos direitos. Agora os domésticos praticamente conquistaram uma cidadania trabalhista, e os diaristas foram esquecidos.”
O projeto de lei 7279/2010 define o diarista como aquele que trabalha, no máximo, dois dias por semana, e foi aprovado pelo Senado em 2010. Desde então, entretanto, está parado na Câmara e sem previsão de continuar a tramitar.
Segundo a assessoria da relatora da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputada Iriny Lopes (PT-ES), o texto ainda terá de voltar à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) antes de receber um parecer da CCJ.
E, se há 13 Estados em que a Justiça do Trabalho tem coberto, ainda que parcialmente, essa indefinição legal, em outros dez – Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Amapá, Paraná, Amazonas, Roraima, Maranhão, Alagoas e Mato Grosso do Sul – não há qualquer entendimento majoritário sobre o assunto.
Em 2009, por exemplo, a 1ª Turma do 16º Tribunal Regional do Trabalho (TRTs), responsável pelo Maranhão, decidiu que uma doméstica tinha o direito a registro em carteira por trabalhar, em média, 2,5 dias por semana.
Procurados desde 9 de abril, os tribunais responsáveis por Espírito Santo (TRT-17), Sergipe (TRT-20) e Rio Grande do Norte (TRT-21) não responderam aos questionamentos até a conclusão da reportagem.
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Fonte: IG