A dor de Tati Quebra Barraco e o choro diário das mães de jovens assassinados

A cantora Tati Quebra Barraco tem uma vida diferente das outras mulheres da Cidade de Deus, bairro do Rio de Janeiro onde cresceu. Participou de reality show na TV, fez apresentações no exterior e oferece festas onde se consome mais de 600 caixas de cerveja.

Por Marcos Sacramento, do Medium 

tati

Na madrugada deste domingo, entretanto, a funkeira sentiu a dor que diariamente atinge mulheres das periferias do país. Seu filho de 19 anos morreu em uma suposta troca de tiros com policiais da UPP da Cidade de Deus.

“Meu filho tá sendo difícil de acreditar viu? Como deve ser pra você receber uma mensagem, ligação em meio ao show dizendo que seu filho está morto? Não queira passar nunca pelo o que estou passando. Não queira sentir nunca o que estou sentindo”, escreveu a cantora na sua página no Facebook.

O capítulo final da vida de Yuri Lourenço da Silva seguiu um roteiro ordinário. De acordo com “O Dia”, a PM estava em patrulhamento quando a guarnição foi surpreendida por homens armados.

Houve confronto. Yuri levou um tiro no rosto e morreu no Hospital. Outra vítima fatal foi identificada como Jean Rodrigues de Jesus. A PM teria encontrado com eles uma pistola, dois radiotransmissores e drogas.

Para completar o aspecto banal da história, surgiu a informação de que Yuri teria passagens pela polícia, uma espécie de pré-julgamento corriqueiro em matérias sobre mortos em operações policiais.

Se ele não tivesse mãe famosa, sua morte renderia no máximo algumas linhas sem destaque no noticiário policial. Talvez nem isso. Seria só mais um número em meio aos mais de 50 mil homicídios que ocorrem a cada ano.

Para ser mais exato, foram 58.492 no ano passado, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança 2016. Os dados incluem as 3.320 mortes em decorrência de intervenção policial que tornam polícia brasileira uma das mais letais do planeta.

Por dia foram em média 160 homicídios, ou quase sete a cada hora. A maioria jovem e de pele negra.

A matança provoca uma cadeia de efeitos colaterais e deixa vítimas indiretas, algumas fatais. Como aconteceu com a mãe de Roberto de Souza Penha, morto na chacina de Costa Barros. Após perder o filho, Jozelita de Souza entrou em depressão e morreu meses depois.

Como Tati Quebra Barraco, outras mães receberam as piores notícias das suas vidas nesta madrugada. Algumas terão o mesmo destino de Jozelita. Outras farão questionamentos iguais ao de Tati Quebra Barraco em seu desabafo nas redes sociais. “Em que eu errei? Em que não fui rude? O que eu deixei faltar?”

As dúvidas que sobram na cantora faltam a boa parcela da sociedade e da classe política quando o assunto é segurança pública. Não há questionamentos mais profundos para buscar as razões por trás dos altos índices de criminalidade e a partir deles propor soluções.

Em vez disso, existe a certeza da eficiência no uso da força, embora os números digam o contrário. Enquanto este pensamento prevalecer, não faltarão mães a chorar a morte dos filhos e se perguntar: “Em que eu errei”?

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