Para alguns ele é símbolo de resistência, enquanto outros adotaram o estilo pensando no poder estético. De um lado ou de outro uma coisa é fato, o que não falta é história por trás das madeixas entrelaçadas em forma cilíndricas. Representado na cultura popular por Bob Marley e os seguidores do movimento Rastafari, os dreads possuem ligação direta com a África e a luta do negro em busca da afirmação de sua cultura.
Ao contrário do que pode se pensar os dreadlocks não surgiram na Jamaica. Registros dão conta de que os cabelos são usados tanto na África quanto na Índia desde a antiguidade Bíblica e pré-Bíblica. No continente africano, ele é encontrado em algumas comunidades tradicionais, como os Himba, na Namíbia. Os Himba afirmam terem adotado o cultivo dos dreads desde o surgimento de sua cultura. Com uma população estimada em 50 mil pessoas, eles vivem no Norte da Namíbia e em Angola, e se destacam por cultivar uma cultura única em meio ao turbilhão chamado ocidentalização.
Os dreads representam o estado civil das mulheres da comunidade e o desenho estético também se aplica aos homens. Quando solteira, as moças andam com o cabelo virado para frente, cobrindo quase que o rosto inteiro. Assim que se casam, ganham um adorno de couro e os dreads são jogados pra trás, sempre com a coloração rubra presente. Esta cor é obtida com o uso de um creme chamado por elas de otjize, feito com manteiga, ocre esfarelado e argila de tom avermelhado.
Seguidor da cultura Rastafari, Bob Marley foi o responsável por popularizar a filosofia e os dreads em todo o mundo. (Foto – Bob Marley – Divulgação)
Partindo para o Oriente é possível encontrar registros da presença dos dreads na Índia. Lá as madeixas são cultivadas há milhares de anos, especialmente pelos Saddus – homens santos praticantes da ioga e que vivem um estilo de vida imaterial que vai contra os princípios ocidentais. Eles seguem uma filosofia baseada em Shiva e têm como ideal cultivar os locks ao natural, ou seja, os deixando crescer livremente e sem cortá-los, uma vez que os cabelos representam a libertação espiritual.
A presença dos dreadlocks nas Américas também vem de longa data. Na Jamaica eles se popularizaram após o fim da escravidão, em agosto de 1834, quando foram adotados por ex-escravos que queriam afirmar sua cultura diante de uma sociedade marcada pela colonização europeia. O estilo ficou conhecido por lá como Natty Dreadlock, termo usado para se referir aos membros desta comunidade e que também é título de um álbum lançado por Bob Marley na década de 1970. Neste contexto não podemos esquecer a cultura Rastafari, que exerceu forte influência no processo.
Rastafarianismo ou Movimento Rasta é o nome desta expressão religiosa nascida na África na década de 30 do século 20. Seus seguidores são caracterizados pela adoração a Haile Selassie, primeiro imperador negro a governar um país africano. Seu reino se deu na Etiópia entre 1930 e 1974 e ele é considerado a manifestação ressurrecta de Yahshya (Jesus), sendo, portanto, a reencarnação de Jah (Jeovah ou Deus). De acordo com a filosofia rasta, Selassie vai conduzir os eleitos à criação de um mundo perfeito, Zion, paraíso dos rastas e para chegar lá os seguidores rejeitam a sociedade capitalista moderna, chamada por eles de Babilônia, vista como corrupta e impura.
O objetivo principal dos rastas, que acreditam serem os verdadeiros filhos de Israel, é voltar para a África, especialmente para a Etiópia, enxergada pelos seguidores como o paraíso. Para os rastafari não cortar os dreads é um tributo a Deus, pois o crescimento natural dos cabelos é um preceito bíblico. Outra inspiração para o cultivo dos dreads é Sansão, herói bíblico tido como um nazareno que usava o penteado. Muitos rastas acreditam que, assim como Sansão, a força está nos cabelos, e cortá-los seria promover a própria fraqueza.
Um dos grandes responsáveis pela popularização do conhecimento acerca da cultura rastafari e do uso dos dreads é sem dúvidas o cantor e compositor jamaicano Bob Marley. Seguidor da cultura, Marley encaixava elementos da religião em suas canções e também era adepto dos dreads, que marcaram sua personalidade até o fim da vida. Acredita-se que hoje um milhão de pessoas no mundo todo siga a filosofia rasta, 100 mil deles estão na Jamaica. Muitos consideram a maconha como um dos símbolos principais do Rastafarianismo, entretanto ela é tida como elemento sagrado e está bem longe do consumo recreativo. Dentro do movimento o uso da erva é considerado um sacramento, limpando o corpo e a mente, além de ser o curador da alma, aproximando o crente de Jah.
Nos dias de hoje, os dreadlocks transcendem escolhas religiosas e se transformaram em elemento estético e em uma espécie de bandeira impositora da herança dos antepassados africanos. Adotado por jovens, sejam eles negros ou brancos, os dreads atraem a atenção não apenas pela criativa flexibilidade e variação de penteados, mas, sobretudo, por sua força representativa na preservação e promoção de uma identidade e luta.
Saiba mais
Existem no Brasil diversos salões especializados e que adotam inúmeras técnicas, seja para amenizar a dor sentida no processo de entrelaçamento dos fios, ou no encurtamento do tempo de produção. Para quem se interessou em cultivar aos dreads a dica é optar pelos feitos com agulha, que usam apenas o cabelo natural. Para começar basta deixar as madeixas crescerem cinco centímetros – mais ou menos de três a quatro dedos, já que na hora de “dredar” eles diminuem cerca de 2 cm. O processo de produção dos dreads leva em média de 2 a 5 horas, podendo variar de acordo com cada profissional.
Para os Rastafari não cortar os dreads é um tributo a Deus, pois, segundo eles, o crescimento natural dos cabelos é um preceito bíblico. (Foto – Reprodução)
É importante desfazer alguns mitos que ainda rondam a cabeça de quem não adotou os dreads ou dos que não estão familiarizados com o estilo. A higiene é algo que varia de pessoa para pessoa, então dependendo das escolhas, tanto homens e mulheres com cabelos longos quanto os que preferem a cabeça raspada, podem manter ou não o coro cabeludo saudável.
Na hora do banho o xampu deve ser usado sem medo e a dica mais importante para manter os dreads saudáveis é prestar bastante atenção na hora de secar. A dica é lavá-los logo pela manhã, assim os cilindros vão secando ao longo do dia, evitando deixar o couro cabeludo úmido. O número de lavagens depende do freguês e a periodicidade da manutenção também. Especialistas recomendam que os retoques sejam feitos com três a cinco meses de intervalo, contudo os dreads também podem ser criados livremente, o que faz com que eles se entrelacem naturalmente.