Dupla opressão: mulheres negras

Em 1851, na Convenção dos Direitos das Mulheres, em Akron, nos Estados Unidos, Sojourner Truth, uma negra abolicionista, escritora e ativista dos direitos das mulheres, foi responsável por um discurso capaz de reconhecer e nomear privilégios. Ela narrou uma série de atividades que exercia e que são consideradas masculinas, para então lançar uma pergunta retórica ao final de cada estrofe: se, afinal, ela não seria mesmo uma mulher.

Sob a perspectiva da época, não parecia. “Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! Eu não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem — quando tinha o que comer — e também aguentei as chicotadas! E não sou uma mulher?”

Embora Truth tenha se manifestado há quase dois séculos, a teorização do feminismo negro vai emergir num tempo já bem mais próximo dos nossos dias, quando as mulheres começarem a se manifestar contra opressões específicas — raça, classe e gênero. A dupla opressão vivenciada pelas mulheres negras precisa ser narrada por elas mesmas, sem mediadores — sejam mulheres brancas ou homens simpatizantes da causa.

Abrahan Lincoln mostrando a bíblia a Sojourner Truth, 1893 (Foto: Imagem retirada do site AH)

“Ainda é muito comum dizer que o feminismo negro traz cisões ou separações, quando é justamente o contrário. Ao nomear as opressões de raça, classe e gênero, entende-se a necessidade de não hierarquizar opressões”, escreve a filósofa Djamila Ribeiro, em seu livro O Que É Lugar de Fala?.

Para a jornalista Juliana Gonçalves, uma das organizadoras da Marcha das Mulheres Negras, de São Paulo, os preconceitos de raça e gênero acontecem sempre ao mesmo tempo. “Historicamente mulheres brancas e negras partem de lugares distintos, e isso vai influenciar na construção dos estereótipos para compreender o que é um corpo branco e um corpo negro, e até o que é belo, agradável, desejável. Nós discutimos encarceramento em massa, e genocídio da população negra sob um viés feminista. O feminismo negro existe para explorar assuntos que ainda não haviam sido colocados em pauta.”

As lésbicas, indígenas, asiáticas, trans também multiplicam por dois a opressão. É a opinião de Lucy Delap. “O feminismo como uma imposição ocidental, em particular a perspectiva de mulheres brancas, tem sido um problema de longa data para o movimento. Não se trata apenas do acesso de mulheres de classe média a melhores salários. Afinal, feminismo e sobre como podemos imaginar um futuro diferente.”

Foto em destaque: Reprodução/ AH

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