Nascido há exatamente 95 anos nos EUA, no dia 2 de agosto de 1924, o escritor e ativista James Arthur Baldwin iniciou a vida pública aos 14 anos de idade como um pregador mirim sensação na igreja de seu padrasto, em Nova Iorque.
A dedicação aos cultos não durou muitos anos, mas ajudou a forjar a oratória cortante do intelectual que, além de romances, peças e poesia, se tornou notável pelos discursos e entrevistas contundentes sobre a vida das pessoas negras nas Américas.
O lançamento do filme Eu não sou seu negro (Raoul Peck — 2016), baseado em um livro não finalizado do autor sobre a luta e o assassinato de três de seus amigos e ativistas do movimento dos direitos civis — Medgar Evers, Martin Luther King Jr. e Malcom X — é um marco. O documentário concorreu ao Oscar e ganhou o BAFTA de melhor documentário em 2017 e, desde então, a vida e a obra de Baldwin, negro e homossexual, têm sido revistada no Brasil.
A primeira entrada das obras de Baldwin no país se deu ainda durante a ditadura militar, principalmente entre pessoas de grupos que desembocariam nos movimentos negro e LGBT atuais, aponta o pesquisador e professor da Universidade Federal de Goiás, Alex Ratts, em seu artigo seminal Negritude, masculinidade, homoerotismo e espacialidade em James Baldwin: uma leitura brasileira (2006).
Após o documentário de 2016, podemos ver uma segunda entrada do autor no Brasil. Três obras de Baldwin foram publicadas em novas edições pela Companhia das Letras: O quarto de Giovanni (2018), Terra estranha(2018) e Se a Rua Beale falasse (2019). Este último título adaptado para o cinema no ano passado pelo diretor Barry Jenkinks, vencedor do Oscar por Moonlight (2016).
Para o ano que vem, 65 anos depois da publicação original, há a previsão de lançamento da tradução inédita para o português da coletânea de ensaios Notes of a native son, publicada pela primeira vez em inglês no ano de 1955.
Meu encontro com Baldwin foi tardio. Infelizmente, ele é dessas figuras que você já ouviu falar, mas que pouco sabe realmente sobre a obra. Por ocasião do Festival Internacional de Cinema de Roterdã — onde estive com minha irmã Yasmin Thayná apresentando o filme KBELA — conheci Raoul de Jong, jovem escritor holândes, filho de mãe francesa e pai surinamense.
Entre as muitas conversas sobre imagem, negritude, gênero e sexualidade, começamos a falar sobre artistas negros/as e LGBTs e sobre o que hoje é a minha pesquisa no mestrado em comunicação e cultura na ECO/UFRJ: cinema e bixas pretas, especificamente o documentário autobiográfico Línguas Desatadas (1989), do cineasta Marlon Riggs (1957–1994). Jong, também negro e homossexual, assim como eu, Riggs e Baldwin. Era o ano de Moonlight, e Barry Jenkins estava na cidade, na mesma mostra intitulada ‘Black rebels’.
Eu e Yasmin discutíamos sobre as diferenças de circular os espaços urbanos sendo uma mulher negra e um homem negro LGBT. Raoul me falava do livro que escrevia sobre suas raízes negras no Suriname. Voltei com um olhar mais aberto sobre interseccionalidades e com dois livros do Baldwin, em inglês, para casa. Ainda tento terminar os livros presenteados por Raoul em meio às leituras e os trabalhos do mestrado, mas passei O quarto de Giovanni em português na frente.
As novas edições em português trazem ensaios que jogam luz sobre essa figura que além de influenciar toda uma geração que lutava por direitos civis nos EUA participou ativamente da construção do mundo possível em que acreditava. Entre eles textos de Hélio Menezes, Alex Ratts e Silviano Santiago.
É no aniversário de 95 anos deste leonino feroz, que faleceu em decorrência de um câncer, na França, em 1987 — quando nasci — que inicio uma série de textos e conteúdos sobre artistas negros/as LGBT e suas obras, deste ou de outros tempos, em uma busca por referências que me permitam desbravar minha humanidade — e a de outras pessoas LGBTs negras também — e olhares destes corpos e subjetividades sobre as diversas comunidades negras.
*Bruno F. Duarte é mestrando em comunicação e cultura da ECO/UFRJ e criador da CABINE — plataforma de arte negra LGBT, da galeria ao banheirão. Pesquisa arte, gênero, sexualidade e relações raciais. Trabalhou em campanhas, iniciativas de mobilização e organizações como KBELA — O Filme, plataforma AFROFLIX, Grupo Emú De Teatro, Centro Afrocarioca de Cinema Negro e Anistia Internacional.