É estranho que desejos democráticos sejam considerados perigosos, diz Judith Butler em SP

Alvo de protestos mesmo antes de chegar ao país, a filósofa norte-americana Judith Butler participou na manhã desta terça (7) do seminário internacional “Os fins da democracia”, em São Paulo, organizado pelo Convênio Internacional de Programas de Teoria Crítica da Universidade da Califórnia em Berkeley e pelo Departamento de Filosofia da Usp em parceria com o Sesc.

Por Amanda Massuela e Helô D’Angelo, da Revista Cult 

Ainda que do lado de fora do Sesc Pompeia cerca de 70 pessoas carregassem cartazes e faixas com dizeres como “não à ideologia de gênero” e “meu filho, minhas regras”, do lado de dentro a discussão tinha como foco os rumos das democracias liberais na atualidade. Uma das principais teóricas dos estudos queer e de gênero, Butler exerce grande influência em outros campos teóricos e disciplinares como a Ética e a Filosofia Política.

“Se pensarmos a democracia como uma forma de governo que cujas leis e instituições refletem o desejo das pessoas, então elas devem ser livres para pensar e debater o conteúdo dessas leis e das instituições”, disse, durante a conferência de abertura, da qual também participaram Vladimir Safatle, da Usp, e Natalia Brizuela, de Berkeley. “E quando as pessoas são plurais e heterogêneas, isso significa que o pensamento deve se dedicar a conhecer e encurtar as distâncias entre elas. É estranho que esses desejos, que podemos chamar de democráticos, sejam considerados perigosos.”

Em frente ao Sesc, um grupo organizado pelos coletivos Além Das Sombras, Pompeia Sem Medo, Democracia Corintiana e Ocupe a Democracia defendia a filósofa. Usando um megafone, participantes falavam em prol da liberdade de expressão e gritavam “Fora, Temer” toda vez que o outro grupo gritava “Fora, Butler”. No final do ato, manifestantes atearam fogo em uma boneca de chapéu de bruxa e sutiã vermelho que tinha uma foto da filósofa colada no rosto.

É a segunda vez que Judith Butler vem ao Brasil. A primeira, em 2015 – quando esteve em São Paulo para participar do Seminário Queer, organizado pela CULT em parceria com o Sesc – já havia sido alvo de protestos, ainda que em menor escala. Recentemente, a filósofa afirmou à BBC Brasil que “a campanha em curso contra ela é um grande equívoco”.

“O conceito de gênero gera muito medo. É uma ideia muito mal compreendida e representada como caricatura. Até o papa Francisco condenou o ‘gênero como uma ideologia diabólica’”, disse.

Em sua curta fala na abertura do seminário internacional – do qual foi uma das organizadoras, e não convidada -, Butler não mencionou as polêmicas envolvendo a sua vinda, tampouco assuntos relacionados aos estudos de gênero. Falou sobre a função da teoria crítica neomarxista e sobre os caminhos da democracia.

“Talvez a democracia seja uma aspiração, talvez seja uma forma de governo, além de servir a ideais como igualdade, liberdade e justiça. A democracia é uma luta diária que requer um agrupamento do pensamento crítico dedicado a responder as forças que censuram as palavras, restringem a nossa liberdade, condenam nossos amores e reproduzem legados de violência e dominação”, afirmou.

Na noite desta segunda (6), Butler foi à Unifesp para o lançamento de seu novo livro, Caminhos divergentes: Judaicidade e crítica do sionismo, publicado pela Boitempo. Na quinta (9), ela encerra o seminário internacional “Os fins da democracia” junto de Vladimir Safatle.

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