Educação antirracista completa 20 anos no papel com obstáculos na prática

Educadora aponta a necessidade de rever materiais didáticos e reforçar territorialidade das escolas

Em 2024, o Brasil completa duas décadas de publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O instrumento estabelece as práticas necessárias para o cumprimento da obrigatoriedade de que essa temática seja abordada em sala de aula. 

Em vinte anos, no entanto, as orientações ainda não são realidade em parte considerável das escolas brasileiras. Em entrevista ao Brasil de Fato, a coordenadora executiva da Ação Educativa, Edneia Gonçalves, fez uma avaliação do período e falou sobre os obstáculos que ainda permanecem. Segundo ela, as normas são essenciais no combate ao racismo. 

“Nas próprias diretrizes está colocado que o ponto de partida da matriz curricular precisa ser o enfrentamento ao racismo e a educação para as relações étnico raciais. Isso considerando a especificidade de todas as áreas do conhecimento, considerando todos os atores e atrizes envolvidos no fazer pedagógico e considerando, sobretudo, a função social da escola.”

A educadora e socióloga observa que os entraves para implementação das orientações vão desde o material didático até o diálogo entre escolas e comunidades. Gonçalves também menciona a importância de que a política se torne uma ação de estado, para não ficar suscetível às mudanças de gestão para gestão.  

“Temos que olhar como está o acervo e o que esse acervo nos ensina sobre relações étnico-raciais e sobre racismo. Estamos falando de uma educação que considera o enfrentamento e a resistência às opressões como fio condutor dessa ideia positiva de democracia. Temos que saber quais são os materiais que temos nas escolas que alimentam essa ideia.”

Na conversa, a educadora questiona qual é o papel dado ao continente africano no ensino brasileiro e se há espaço para o pensamento de pessoas negras e indígenas sobre a formação do país. Ela pontua também que a territorialidade das escolas precisa ser contemplada, por meio da busca das soluções populares para o combate ao racismo. 

“Também perguntamos qual é a presença negra e indígena no nosso território. Quais são os indícios da cultura e da memória desses povos do território em que a escola se encontra. Isso quer dizer também que a escola precisa abrir suas portas para buscar o conhecimento.” 

As diretrizes, estabelecidas em 2004 pelo Conselho Nacional de Educação, surgiram como um desdobramento da Lei 10.639 de 2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. 

Mesmo com os entraves à efetivação da norma, Gonçalves ressalta que há experiências exitosas ao longo dos últimos 20 anos, mas que é preciso garantir a continuidade e a capilaridade das ações. 

“Esse documento vai muito além do que você tem que ser obrigado a fazer e te diz como olhar para o fazer pedagógico, como olhar para os processos formativos a partir desse lugar que é a estruturação de um processo que vai em todas as dimensões do atendimento escolar”. 

Nas palavras dela, o grande desafio é fazer com que redes estaduais e municipais coloquem as diretrizes como responsabilidade na garantia da qualidade educacional.  “Enquanto a educação brasileira tiver essa marca do racismo tão contundente, ela está perdendo em qualidade. Então, nós estamos aqui reivindicando qualidade”, conclui. 

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