Você pode fornecer escolas de qualidade para os mais pobres e, mesmo assim, talvez não veja a mudança na realidade do país que se almeja. Isso ocorre porque a educação não se limita apenas à oferta de escolas melhores. Também é preciso incentivar a demanda.
É necessário que os estudantes e suas famílias reconheçam a importância da educação para que o impacto desejado possa ser alcançado.
Contudo, em muitas regiões pobres do país, a incidência de gravidez na adolescência ainda é alta. A maternidade precoce é um importante motivo que afasta muitas jovens da escola e, em vários casos, o pai, quando assume a paternidade, também abandona os estudos. Mesmo que haja escolas públicas de qualidade, tal fator limita a demanda por educação. Com a baixa qualificação dos pais, as chances de mobilidade social da criança diminuem, perpetuando, assim, o ciclo da pobreza.
O Brasil é um dos países da América Latina que apresentam alta taxa de gravidez na adolescência.
No caso do dispositivo intrauterino (DIU), por exemplo, grande parcela das mulheres pobres ainda não tem acesso a ele. Uma simples política de expandir sua disponibilidade para garotas de baixa renda poderia ter muito mais impacto em termos de desenvolvimento do que várias políticas públicas já implementadas no país.
Entretanto, mesmo sem ter filhos, é comum que jovens de origens desfavorecidas precisem trabalhar para ajudar no orçamento familiar. Isso é não só um limitador de seu desempenho escolar como uma das principais razões para a evasão, especialmente quando o jovem está no período do ensino médio.
Para combater esse problema, o Ministério da Educação (MEC) lançou recentemente o Programa Pé-de-Meia, que oferece um incentivo financeiro para os estudantes terminarem essa etapa do ensino, buscando, assim, mitigar esse efeito negativo.
Outro importante motivo que diminui a demanda por educação, e que é relativamente pouco discutido em nossa sociedade, é o fato de muitos estudantes não verem muito valor nela. Parte disso decorre do fato de que ainda há uma quantidade limitada no país de modelos sociais que saíram da pobreza e avançaram significativamente na vida por meio dos estudos.
Quando estudantes periféricos não veem em seu círculo social pessoas que colheram benefícios da educação, torna-se difícil visualizar suas potenciais vantagens. Sem referências de sucesso que progrediram graças ao conhecimento adquirido, o valor da educação passa a ser abstrato.
Existe uma série de barreiras sistêmicas em seus caminhos. O Brasil naturalizou processos que favorecem sistematicamente aqueles que nasceram em ambientes mais privilegiados. As cotas sociais e raciais, tanto nas universidades quanto fora delas, representam uma política que busca corrigir parte da assimetria gerada pelos diferentes pontos de partida resultantes da loteria do nascimento.
Nesse âmbito, a recente ascensão social de um pequeno grupo via cotas ou por meio de outras políticas de democratização do ensino superior e técnico representa mais do que um ganho individual; também simboliza o surgimento de novas referências sociais que tornam mais tangível, para as gerações jovens e desfavorecidas, o valor da educação.
Aqueles que conseguiram passar pelo estreito filtro social gerado pela excludente sociedade brasileira tornam mais claro para as novas gerações que com muito esforço uma pequena parcela consegue emergir.
Desse modo, o sistema educacional não se limita à oferta de melhores instituições de ensino. É igualmente necessário desenvolver uma cultura que valorize a educação.
Para que isso ocorra, os estudantes desfavorecidos precisam de referências mais concretas sobre seu valor.
O texto é uma homenagem à música “Paranauê“, composta por Eliberto Barroncas, interpretada por Raízes Caboclas.