Quanto mais jovens maior a dificuldade das mulheres em lidar com a situação actual, a frustração por não conseguirem cumprir a rotina, a ofensiva de sentimentos negativos, como tristeza ou ansiedade. E, ao que se deduz d’Os Diários de uma Pandemia, parte disso agrava-se quando há crianças pequenas.
Os Diários de uma Pandemia – iniciativa do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), apoiada pelo PÚBLICO – recolhem diariamente, através de questionários online, a experiência de cidadãos entre 16 e 89 anos. Nesta segunda fase, que arrancou a 3 de Fevereiro, 3674 pessoas dispuseram-se a responder. Até 5 de Março, tinham preenchido mais de 65.000 questionários. A análise, agora divulgada, fixa-se nas 2636 participantes que se identificam como mulheres.
Não é uma amostra representativa da população feminina portuguesa. Admite-se que quem responde a inquéritos online é mais escolarizado, reconhece Raquel Lucas, do ISPUP. Mas é um indicador do que está a acontecer. “A prevalência de infecção nas mulheres da amostra é igual à da população portuguesa: 8%”, começa por dizer.
O estudo indica que o sentimento de frustração por não poder cumprir rotinas diárias é mais frequente entre as mulheres que se encontram na casa dos 30 anos (49%) e vai diminuindo, pouco a pouco, alcançando o valor mais baixo entre as maiores de 60 (33%). A sensação é mais persistente entre as mulheres com crianças até aos 10 anos (54,6%) do que nas outras (40,6%).
A pandemia coloca desafios de vária ordem. E a dificuldade em lidar com a situação também vai reduzindo com a idade. Neste campo, curiosamente, a diferença entre mulheres com e sem crianças é pouca (33,1% e 30,8%). Os pensamentos negativos assolam mesmo menos as primeiras do que as segundas (29,6% e 31,4%).
A idade acaba por ser mais determinante. E isso, na opinião de Raquel Lucas, “é interessante, porque as mulheres mais velhas até têm mais preocupação com a sua saúde e a dos seus entes queridos”. E mais depressa conhecem pessoalmente alguém que morreu devido à covid-19: 18,8% nas sub 30 anos, 27,3% na faixa dos 30, 31.9% na dos 40, 41% na dos 50, 36,5% nas maiores de 60.
A investigadora encontra duas explicações para a aparente contradição de, preocupando-se mais, apresentarem melhores indicadores de bem-estar. Primeiro, as mulheres mais velhas reportam menos contactos de risco, menos necessidade de isolamento profiláctico, menos risco percebido de infecção. Segundo, “conseguem enquadrar a pandemia no conjunto de uma experiência de vida muito maior”. Para as mais jovens, “a pandemia pode ser um desafio sem comparação”. Além disso, a sua exposição ao risco é maior. A sua rotina pode ter sido mais alterada.
Quando o que está em análise é a frequência de infecção, a necessidade de isolamento profiláctico, as infecções no agregado, aos contactos com casos suspeitos, o risco percebido, não há grande diferença entre mulheres com e sem filhos pequenos. Mas as mulheres com crianças em casa dizem ter recorrido mais aos cuidados de saúde, incluindo o teste da infecção pelo vírus da covid-19.
No universo de 2636 mulheres que participaram nesta fase do estudo, 16% tinham entre 18 a 29 anos, 20% entre 30 e 39, 30% entre 40 e 49, 20% entre 50 e 59 e 14% 60 ou mais anos. Entre as 1728 mulheres com menos de 50, 497 (29%) tinham crianças até 10 anos.
Vários estudos que têm sido divulgados indicam que a pandemia afecta as mulheres de forma desproporcional. Este mostra frequências semelhantes entre mulheres e homens nas questões directamente relacionadas com a infecção e quase sempre menos favoráveis às mulheres nas que se prendem com bem-estar.