Ela é aluna de medicina, preta, da periferia e nos deu uma lição

Mirna Moreira, 22, é estudante de medicina da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é mulher, é preta, é da periferia e tem MUITO orgulho disso. Em um post no Facebook publicado pela página Boca de Favela, seu relato viralizou e deu uma aula linda de representatividade.

por Tamers Gomes no Catraca Livre

Dados da SIS 2015 (Síntese de Indicadores Sociais), pesquisa produzida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, em 10 anos, houve crescimento na proporção de estudantes  pretos ou pardos de 18 a 24 anos dentro das universidades. São 45,5% no total.

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Apesar disso, em cursos elitizados e com vestibulares extremamente concorridos é pouca a probabilidade de estudantes negros ocuparem as carteiras. 1,5% é a quantidade dos formandos que se declaram pretos em um curso como o de medicina, por exemplo. Mirna Moreira faz parte deste grupo e já teve de ouvir que “não tinha cara de médica”.

“Lembro que quando me perguntavam o que eu queria cursar e eu falava medicina, tinha gente que virava e falava: ‘ah, mas você quer isso mesmo? Você não tem cara de médica’. Uma vez numa aula no pré vestibular, um professor entrou em algum tema de redação, que eu não lembro qual foi, e falou: ‘olha pro lado e me diz quantos negros tem nessa sala. Foi aquele momento que todos os olhares da sala se viraram pra mim”, disse Mirna em seu texto.

Em um rápido teste no Google, digite a palavra “médico” e veja quantas pessoas negras aparecem na primeira página. Nenhuma. Tente a palavra “médica”. Além da sexualização das mulheres da profissão, não, não há imagens de médicas negras. É por isso que a representatividade é tão importante. E Mirna fala sobre isso.

“Quando eu visto meu jaleco branco e subo o Morro dos Macacos representando a instituição UERJ, como fiz em uma ação sobre sexualidade na adolescência numa escola pública, e as meninas negras dessa escola pedem para tirar fotos comigo, elogiam meu cabelo crespo, e de alguma forma me veem como referência, eu só tenho mais certeza disso”, conta ela.

Mirna é um exemplo. Que o seu exemplo e luta por empoderamento e igualdade sejam a inspiração para que mais e mais jovens negros das periferias ocupem as universidades. Porque você podem! Por mais políticas públicas que incluam e por menos preconceito acadêmico.

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Confira o relato da estudante na íntegra:

“Quando você mora na favela, é mulher preta, e você quer chegar num determinado lugar, você precisa planejar, porque se não você perde muito tempo batendo cabeça, e a gente não tem nem tempo, nem dinheiro, para ficar na experimentação.

Lembro que quando me perguntavam o que eu queria cursar e eu falava medicina, tinha gente que virava e falava: ‘ah, mas você quer isso mesmo? Você não tem cara de médica’. Uma vez numa aula no pré vestibular, um professor entrou em algum tema de redação, que eu não lembro qual foi, e falou: ‘olha pro lado e me diz quantos negros tem nessa sala. Foi aquele momento que todos os olhares da sala se viraram pra mim.’

O meu maior acerto foi ter assumido minha estética enquanto mulher negra antes de entrar nesse espaço da universidade, eu entendi que é muito importante estar ali porque existe a questão da representatividade, que se estende para fora da academia também. Quando eu visto meu jaleco branco e subo o Morro dos Macacos representando a instituição UERJ, como fiz em uma ação sobre sexualidade na adolescência numa escola pública, e as meninas negras dessa escola pedem para tirar fotos comigo, elogiam meu cabelo crespo, e de alguma forma me veem como referência, eu só tenho mais certeza disso.

No dia dessa ação na escola eu voltei no mesmo ônibus que uma aluna, e quando eu desci no mesmo ponto que ela aqui no Complexo, ela perguntou: o que você tá fazendo aqui?

Ela não esperava que eu descesse aqui na favela. Eu chorei muito. Isso me marcou demais, até porque eu nunca tive uma representação física e próxima que eu pudesse me espelhar nesse campo profissional, essa mulher, negra, médica. Sabe?

Por isso, principalmente nos espaços acadêmicos, eu faço questão de afirmar que sou do Complexo do Lins. Esse lugar faz parte da minha identidade. Sei da onde eu vim, quem me ajudou a chegar até aqui, e não foi nenhum médico de formação, foi minha mãe que trabalhou como diarista por muitos anos, meu pai que já trabalhou como pedreiro, e que sempre priorizaram meus estudos. Eu sei quem são os pretos que construíram a base pra que hoje eu esteja aqui hoje.”

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