Ele não é o nosso branco

Travis Wilkerson olha para o racismo institucional americano do outro lado da porta.

Por 

Se Raoul Peck filmou James Baldwin a dizer que ele não era o negro que queríamos que ele fosse, Travis Wilkerson filma-se a si próprio, fora de campo, a dizer que os brancos também não são quem nós queremos que eles sejam. E ele lá sabe – com Did You Wonder who Fired the Gun? (Concurso Internacional), o artista e performer americano investiga a história da sua própria família, centrando-se num bisavô que, nos anos 1940, matou a tiro um negro na cidadezinha do Alabama onde vivia e, apesar de ter sido acusado de homicídio, nunca foi condenado.

Inicialmente apresentado como one-man-show multimédia com Wilkerson em palco a narrar a sua história enquanto lança do portátil deixas musicais e blocos de imagem, forma na qual tem vindo a circular pelos EUA, Did You Wonder Who Fired the Gun? estreia-se em Locarno na sua forma cinematográfica. É um filme-ensaio que recorre a filmes de família, material inédito e imagens de arquivo, onde cabem o romance de Harper Lee Não Matem a Cotovia (e a sua versão cinematográfica Na Sombra e no Silêncio), que o realizador denuncia como “um santo secular e não uma pessoa de carne e osso”; a canção que Phil Ochs dedicou ao activista branco dos direitos civis William Moore, assassinado numa estrada do Alabama; ou o lendário tema de Billie Holiday Strange fruit , e a sua metáfora dos linchamentos de negrosE Wilkerson, ao colocar-se simultaneamente no centro da narrativa (é a sua família, é a sua voz, é a sua história) e fora dela (não a viveu, apenas a investiga, e pergunta-se como é possível vir desta família), ilumina todo um lamaçal de questões éticas e morais sobre a verdade das relações raciais nos estados do Sul da América (e na América como um todo) e alerta-nos para não as ignorarmos nem as normalizarmos.

Uma das frases preferidas dos movimentos nacionalistas sulistas é “O Sul voltará a erguer-se”. O que Travis Wilkerson nos mostra é que ele nunca se foi realmente embora, porque o racismo institucionalizado nunca desapareceu. Apenas se escondeu.

+ sobre o tema

Colonialismo mental e nacionalismo ingênuo

O atraso educacional e a mentalidade retrógrada da elite...

Brasil: Relatório sobre Justiça Racial na Aplicação da Lei

Este relatório contém as conclusões do Mecanismo Internacional de...

Precisamos falar sobre branquitude e seu papel na luta antirracista

“Por que você gostaria de me entrevistar?”, perguntou o...

para lembrar

‘Não podemos nos alinhar aos Datenas, Jabores e Pondés’

Um militante do MPL alerta para a tentativa da...

Crime de racismo: Uma prática histórica

O racismo no Brasil, é um problema que existe...

O papel da mídia na difusão do racismo e o silêncio acadêmico

Discutir o racismo no Brasil é muito complicado. Complicado...

Aquele negro que é gente

Semana passada, alguém me fez a seguinte pergunta: Sabe...
spot_imgspot_img

Quando Tony Tornado cerra o punho e levanta o braço, a luta dos afrodescendentes se fortalece

Tony Tornado adentrou o palco do Festival Negritudes e, antes de dizer qualquer palavra, ao lado do filho, Lincoln, ergueu o punho direito. O...

‘Redução de homicídios no Brasil não elimina racismo estrutural’, afirma coordenador de Fórum de Segurança

Entre 2013 e 2023, o Brasil teve uma queda de 20,3% no número de homicídios, de acordo com o Atlas da Violência, produzido pelo Fórum...

‘Não aguentava mais a escola’, diz mãe de aluna internada após racismo

A mãe da aluna de 15 anos que foi encontrada desacordada no Colégio Mackenzie (SP), contou ao UOL que a filha segue internada em um hospital psiquiátrico...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.