FLIPELÔ: Em bate papo sobre poesia e protesto, Emicida e João Jorge discutem racismo

“Capitães de Areia talvez tenha sido o primeiro livro que eu li e me vi dentro da história”. A obra do baiano Jorge Amado é um dos pontos que liga a história do presidente do Olodum, João Jorge, à do rapper Emicida – dono da frase que dá início a essa matéria -, convidados da cantora Larissa Luz, durante o segundo dia de Flipelô, no Teatro Sesc Senac Pelourinho, nesta quinta-feira (10/8). Sob a temática “A Rua É Noiz – Poesia e Protesto”, os artistas problematizaram, brincaram e desabafaram sobre as dificuldades vividas na infância, que mais pareciam um dia comum para Pedro Bala.

Por Aratu Online

A Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô) abriu espaço para discutir racismo, poesia, protesto, empoderamento feminino, educação e música, em uma noite de casa lotada.

João Jorge iniciou o bate-papo ao contar de suas primeiras referências literárias no período em que viveu entre Salvador e São Gonçalo dos Campos. “Foi uma coleção que ganhei do meu pai, aos oito anos. Ela relatava histórias de crianças europeias e eu me apeguei, porque ali eu conseguia viajar para fora do Pelourinho, onde eu vivia com meus pais. Até que, andando pelos casarões que eram da família portuguesa, eu comecei a observar os brasões dizendo ‘aqui morou fulano, aqui morou sicrano’, e me perguntava ‘e nós?’, nada. Então, decretei: tenho que encontrar alguém parecido com meu nariz, com meu cabelo duro, com meu pai, com meus primos, foi aí que eu comecei a procurar autores negros e cheguei até o Carnaval, lendo sobre o Ilê Ayê”.

Após contar toda sua trajetória desde que descobriu o gosto pelas histórias em quadrinhos, Emicida fez questão de falar sobre o seu último álbum, “Mãe”, lançado em 2015. “Um amigo que trabalha comigo uma vez chegou e me disse: ‘Emicida, a gente precisa parar de chegar atrasado na vida dos outros’. Fiquei com aquilo na cabeça e achando uma injustiça, porque eu passei por muita coisa e consegui chegar aqui, então para mim estava no tempo certo, não estava atrasado. Mas aí ele explicou: ‘a menina que ouviu seu disco aos 14 anos se vê nas suas letras e começa a entender o contexto que vive, mas ela já levou um soco do racismo aos quatro’. Agora eu luto pra chegar mais cedo na vida das crianças porque, se depender de mim, o ser humano não será interrompido pela burrice do outro”.

Com um sotaque que não deixa dúvidas sobre sua naturalidade paulista, Emicida aproveitou o bate-papo e listou os autores que tiveram influência sobre sua música. “Eu admiro muito o Mário Quintana, Eduardo Galeano, Pablo Neruda, Gabriel Garcia Marques, Lima Barreto e não vamos esquecer, Milton Santos. Eu adoro Milton Santos, gosto dele porque vejo uma simplicidade, além de ter sido um cara que ajudou a quebrar essa coisa cristalina da academia, que olhava você de cima. Ele não, ele olha a gente de igual para igual”.

Sobre os anos à frente do Olodum, João Jorge explicou como a poesia e o protesto estiveram presentes nas músicas mais famosas da banda. “A música Faraó, por exemplo, ficou em terceiro lugar entre as músicas do carnaval. As pessoas então começaram a dizer que o Olodum estava acabado. Nós gravamos um disco, primeiro LP de samba reggae do mundo, e dediquei aos orixás. A música já tem 30 anos e é a principal música da Bahia no mundo”.

E completou: “eu queria que o Olodum fosse visto como o protesto do Pelourinho. Então, estimulei para que nossa principal música social, “Protesto do Olodum”, fosse assim. ‘Força e pudor, liberdade ao povo do Pelô, mãe que é mãe no parto sente dor’. Ela terminava dizendo que “na Bahia existe Etiópia, pro Nordeste o país vira as costas” e assim colocamos o combustível necessário para fazer protesto com poesia”.

Com tanta literatura, histórias e referências, o que nos resta é devolver o lugar de fala para os artistas que fecharam o segundo dia de Flipelô.

CONFIRA VÍDEO DO BATE PAPO COM JOÃO JORGE E EMICIDA:

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