Em Israel, população etíope sofre forte discriminação racial

Em 2015, após dois policiais serem flagrados em um vídeo espancando um jovem soldado de ascendência etíope, o governo criou uma comissão para eliminar o racismo

por David M. Halbfinger e Isabel Kershner para o The New York Times no Estadão

Vigília em Tel Aviv homenageia adolescente morto pela polícia. Foto: Jonas Opperskalski / The New York Times
Vigília em Tel Aviv homenageia adolescente morto pela polícia. Foto: Jonas Opperskalski / The New York Times

A única lembrança que Izra Ayalo, de 25 anos, não consegue esquecer é o momento em que o oficial disse ao comandante: “Olhe para isto”, e levantou novamente o punho. “Desse ponto em diante, vivo com um buraco no meu coração”. E não é o único. O disparo fatal de um policial que matou um adolescente etíope-israelense desarmado, no dia 30 de junho, provocou furiosos e, por vezes, violentos protestos em cidades de todo o país. Além disso, obrigou uma avaliação nacional do que os israelenses negros consideram um racismo endêmico, principalmente no que diz respeito à maneira como são tratados pela polícia.

A pequena minoria de 150 mil indivíduos em um país de nove milhões de habitantes espera que a morte de Solomon Tekah, de 18 anos, possa finalmente ser o momento. Pelo menos quatro etíopes-israelenses foram mortos pela polícia desde 1997. Outros sete se suicidaram ou morreram depois de se encontrarem com a polícia. Nove dos 11 tinham menos de 25 anos. “Todos nós temos histórias como esta”, afirmou Ayalo, que trabalha na cidade de Netanya, onde vive a maior concentração de etíopes-israelenses. Ele contou que a sua ficha criminal menciona dez falsas prisões, quatro delas retiradas até agora. “Eles sabem que nós não temos dinheiro para pagar advogados”, afirmou. “Eles sabem que não podemos nos defender”.

Em 2015, depois que dois policiais foram flagrados em um vídeo espancando um jovem soldado de ascendência etíope em um ataque não provocado, o governo criou uma comissão para eliminar o racismo. As autoridades encontraram medidas e práticas discriminatórias contra etíopes-israelenses na educação, no tratamento médico, no emprego e no alistamento militar, e também na polícia. O número de etíopes incriminados e presos era muito maior do que o de outros israelenses.

Em 1991, quando chegou a maior onda de cerca de 14 mil etíopes judeus em viagens aéreas secretas, os israelenses se alegraram e os imigrantes beijaram a pista ao descer do avião. Mas a integração não foi fácil. “A ideia era que eles de adaptariam melhor como comunidade”, projetou Isaac Herzog, ex-ministro dos Serviços Sociais e Bem-Estar que atualmente preside a Agência Judaica, responsável pela imigração. “Esse foi um erro histórico”.

Somente 20% dos etíopes-israelenses que cresceram aqui conseguiram uma formação acadêmica, em comparação a 40% do restante da população judia, mostra estudo. A renda mensal de suas famílias é cerca de 33% inferior à da média nacional. “É muito difícil para uma pessoa preta ter as mesmas oportunidades”, defendeu Alamito Itzhak, de 32 anos, de Netanya. Ela obteve um diploma de professora, mas estava trabalhando como caixa de supermercado. “As pessoas acham complicado ver a gente como pessoas iguais”.

Segundo as autoridades, tem havido progressos. O Ministério da Justiça observou “uma diminuição dos excessos da polícia” e “uma melhora significativa das interações da polícia com jovens etíopes-israelenses”. Os indiciamentos de menores etíopes por ataques a policiais caíram 30%.

Os etíopes estão esperançosos, mas não otimistas. Tudo o que eles pedem, afirmam, depois de sua jornada extraordinária para a terra prometida, é serem aceitos como israelenses como qualquer outro cidadão. Na década de 1980, quando adolescente, Zion Getahun caminhou centenas de quilômetros de sua aldeia, na Etiópia, até um acampamento no Sudão, de onde foi transportado para Israel de avião. Ele cresceu ouvindo a avó sonhar em voz alta em ir a Jerusalém. Chegar lá foi “como tocar a lua”, ele lembrou. “É este o Israel com que sonhávamos?”, acrescentou. “É o que eu pergunto”.

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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