Emicida estreia como curador na mostra Etnogênese, de Marcelino Melo

Enviado por / FonteEcoa, por Tony Marlon

Etnogênese foi um termo que o artista visual Marcelino Melo aprendeu pela primeira vez no teatro. Ele, o artista, já estava no radar da arte contemporânea brasileira. O projeto “Quebradinha” foi o seu cartão de visita. Já ele, o termo, foi aquela novidade que ficou guardada: o que nos faz sentir, faz sentido. Virou pesquisa, que virou a sua exposição de estreia: Etnogênese – O Que É e O Que Pode Ser -, que pode ser conferida no Museu de Arte Contemporânea de Niterói até o fim de novembro.

Uma explicação: etnogênese é um termo antropológico que descreve como grupos humanos, ao longo do tempo, podem começar a se reconhecer ou a serem reconhecidos pelos outros como uma etnia distinta. Conceitualmente é isso. Outro jeito de entender é materializando em arte, como Marcelino fez.

Todas as pessoas usam máscaras em formato de casa. As favelas ganham, assim, vida e forma humana. Se movimentam, literalmente. É a partir daí que Marcelino constrói a sua proposta, o seu convite, a sua provocação. Um ser que vem do barro, o que o artista vem chamando de faces. Uma aplicação artística em que o corpo e o território são centrais para a reconfiguração de uma identidade coletiva.

O artista visual Marcelino Melo – Foto: Instagram/ @quebradinha_

E sobre isso, mais isso: “A ideia era chegar na definição visual do que seria a etnogênese, a partir das periferias. É como se as casinhas fossem o casulo e o casulo abrisse e surgissem esses personagens que vou apresentar agora em diversos formatos. Eu quero explorar a figura do corpo que habita esses territórios”, afirma Marcelino.

Alargando os seus horizontes para além da música e da palavra escrita, Emicida assina a exposição ao lado de Luiza Testa e Patricia Borges. Ele defende que Marcelino já tem uma arte que conversa com um mundo que está além das galerias e museus. Agora, “é criar uma bela intersecção entre esses dois mundos, com toda a verdade de ambos, que faça as pessoas saírem da exposição se perguntando se favelas já não deveriam estar nos museus, em todos os sentidos”, diz.

Marcelino nasceu a primeira vez no Sertão de Alagoas. Agora, movimenta a vida, a curiosidade e a sua arte a partir das periferias da zona sul de São Paulo. O barro, matéria prima de suas obras, é memória destes dois lugares. Do chão e das pessoas. Uma de suas avós era paneleira, ele lembra.

“O barro está na parede e no chão nas comunidades. Já em bairros nobres, está no telhado. Pensando nisso, eu começo a tratar o barro como se ele fosse a base. O barro que dá vida a outras formas, sejam elas o corpo ou as casas. Por ele ser laranja, eu costumo pensar muito que o ser periférico é muito semelhante ao barro. Pensando nisso, o barro é meu norteador”, explica.

Juntos, Emicida, Marcelino, Luiza e Patricia contam uma história em 43 obras. O sonho é alcançar todos os corações, por isso acessibilidade é ponto de partida na montagem. Duas peças são táteis e sensoriais. Todas contam com audiodescrição e a altura com o menor padrão de altitude, para que crianças e PCDs possam ter acesso com mais facilidade.

Envolvendo a música como parte essencial de suas referências, Marcelino buscou inspiração para a nova série em artistas como Chico Science, Nação Zumbi e Racionais MCs. A confluência de Nego Bispo, a literatura de Carolina Maria de Jesus e a canção “Zé do Caroço”, de Leci Brandão, que dá nome a uma das obras, também integram seu universo de inspirações. A arte é uma mistura constante entre público e artista, não se sabe bem onde termina quem. Nesta ciranda, cada uma e a sua contribuição para a roda.

“Sinto que meu papel aqui é ajudar em tudo o que for possível para que possamos fazer a experiência da exposição ser linda, provocativa, contemporânea fugindo de qualquer clichê”, defende Emicida. “Como curadores dispostos a alcançar um público que não necessariamente é assíduo em museus, decidimos não subestimar essa população. Esperamos que o público, de forma geral, se veja representado e refletido nessa exposição”, finaliza a parceira de curadoria, Luiza Testa.

Se você busca entender a contemporaneidade a partir de um olhar genuíno, Etnogênese é uma experiência imperdível. A exposição, com as suas 43 obras, vai além da estética; toca em questões fundamentais sobre identidade, memória e território. Mais do que uma mostra, Etnogênese é um convite aos brasis que o Brasil sempre insistiu em esquecer. Até agora.


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