É através do empoderamento pessoal que diversas mulheres estão vencendo barreiras impostas pelos padrões sociais, por meio de um maior conhecimento sobre as causas femininas, amor próprio e coletividade. Contudo, muitas traçam um caminho árduo até chegar a esse ponto, sofrendo desde a infância diversos tipos de assédios e inferiorizações. Uma boa maneira de evitar esse processo é através do empoderamento infantil, mostrando para as meninas desde muito pequenas que elas não precisam se adequar a nenhum padrão de beleza, sendo feliz com seu corpo e com a pessoa que ela é.
Por Mariana Miranda Do lado
Infância e gênero: a divisão desde muito cedo
É justamente no período da infância que os papéis de gênero começam a ser estabelecidos. A criança é constantemente limitada e moldada pelos próprios pais e familiares para seguir regras estipuladas pela sociedade em que vive. O clássico “azul para meninos e rosa para meninas” é uma das mais conhecidas forma de divisão e caracterização do sexo físico da criança, diretamente relacionado a cor da roupinha usada. Além disso, furar a orelha das meninas ainda quando pequenas é uma cultura extremamente comum entre os pais, ignorando completamente o fato de essa ser uma prática dolorida e desnecessária.
Carina Castro é estudante de letras da USP, pesquisadora de literatura infantil e uma das moderadoras da página Empoderamento Infantil, no Facebook. “É nessa fase que o comportamento para meninas e meninos é ensinado de maneira bem distinta e dicotômica: a docilidade e controle para as meninas, a força e o estímulo para os meninos. Não se pensa de fato na infância, mas num papel que se cumprirá lá na frente”, conta. Segundo a pesquisadora, esse processo se inicia na primeira infância, fase determinante para a capacidade cognitiva e sociabilidade do indivíduo, já que o cérebro absorve todas as informações dadas. “Imagine então como essas imposições limitam o desenvolvimento da criança e como podem influenciar na maneira como entendem suas capacidades”.
Mães e o processo de empoderar: erros e tabus
Frases como “Meninas têm que se dar valor”, “Você precisa emagrecer para ficar bonita”, “Alisa esse cabelo” ou “Se arrume ou você nunca vai arrumar um namorado” ainda são direcionadas constantemente por parentes a garotas ainda crianças ou adolescentes. E o pior: na maioria da vezes são as próprias mulheres que as falam. Segundo Carina, esse tipo de comportamento vai em direção contrária ao empoderamento infantil de meninas, já que reforça a objetificação da mulher e sua desvalorização relacionada a certos comportamentos. “Esses tipos de conselhos sempre colocam a mulher numa posição subalterna ao homem, sempre buscando a aprovação masculina. Além disso, resume a felicidade das mulheres aos homens, colocando-os como se fossem a principal meta de suas vidas e a única opção caso não queiram ficar ‘encalhadas’”, explica.
E não é apenas o machismo que é reproduzido por meio desses conselhos, como também o racismo e a heteronormatividade. “Eles podem estar coagindo com o embranquecimento de meninas negras, atitude que as mantém refém do racismo, ao invés de libertar suas mentes e mostrar como é bela sua real beleza. E também podem gerar diversos complexos, traumas, depressão, distúrbios alimentares, e a disforia de gênero no caso de crianças trans*, algo que é necessário ter ainda mais apoio e acolhimento do que repreensão e rejeição como geralmente acontece”, conta Carina.
Outro ponto complicado são os assuntos relacionados a sexualidade. Tratar de menstruação e sexo com naturalidade ainda são vistos como tabus em muitas famílias. “Existe a ideia de que não falando sobre isso, estamos preservando, mas não é bem por aí. O que protege mesmo é a informação, é a garota conhecer seu próprio corpo, saber dos riscos que corre e aprender como se proteger”, conta Carina.
A masturbação feminina é vista como impura desde muito cedo, quando os pais reprimem as garotas que se tocam, apresentando-lhes a própria vagina como algo sujo. Já os meninos ficam claramente excitados desde bebês, quando o pequeno pênis fica ereto e precisa da ajuda de um adulto para voltar ao normal. Com isso, a masturbação infantil masculina começa desde muito cedo e não é envolta em tantas polêmicas pelos familiares quanto a masturbação feminina.
Menina empoderada, mulher fortalecida… mas como empoderar?
Uma menina que é empoderada desde muito jovem certamente se tornará uma mulher muito mais preparada para lidar com o machismo cotidiano e com as pressões sociais direcionadas ao seu corpo e seus modos. Contudo, antes de começar esse processo com a filha, a própria mãe tem que se empoderar.
Para Carina, o empoderamento da mãe é fundamental, já que assim ela terá mais condições de compreender e dar uma educação consciente e livre de preconceitos. “Hoje temos muitos sites e projetos de feminismo, maternidade e afins. Existe muito material na internet, então informe-se, esteja atenta e munida de boas referências”, conta. Outro conselho que a pesquisadora dá às mães é para não deixar faltar representatividade na vida da criança, pra que assim ela possa se reconhecer nas imagens que vê e se sinta capaz de alcançar o mesmo patamar. Apresentar mulheres fortes para a criança e que tenha alguma ligação com ela, seja na cor ou na idade, farão com que a inspiração flua.
Pensar antes de aconselhar também é importante. Muitas vezes os conselhos dados reproduzem discursos nocivos ao desenvolvimento da criança e a construção da sua auto-estima, reproduzindo preconceitos enraizados. “Hoje avançamos em muitos debates e existem mais mães que conversam e empoderam suas filhas, porém ainda são poucas. A tentativa muitas vezes continua dentro dos padrões e acaba por gerar o efeito reverso”, explica.
Além disso, apoiar a menina em suas escolhas é fundamental para o empoderamento. Se ela quiser se vestir de azul e jogar bola, precisa ter o apoio e suporte dos pais, e não a repressão. Segundo Carina, brincadeiras ao ar livre em que o exercício lúdico não é distinguido pelo sexo também são muito boas para um melhor aproveitamento da infância, diferente das que apenas reproduzem atividades do lar, como se treinando a menina a exercer essa função no futuro.
Com uma auto-estima elevada e fortificada, as garotas serão mais confiantes de si mesmas e terão uma relação diferente com seus corpos e cores de pele. “Será uma relação de amor e não de ódio, como geralmente acontece devido aos padrões e imposições. Sendo elas o centro de suas vidas, não dependerão da aprovação masculina, assim como terão uma consciência mais ampla sobre suas capacidades e gostos, não se deixando submeter ao desejo alheio. A relação com outras mulheres também tende a ser outra, de solidariedade e empatia, e não de competição, o que contribui muito pro avanço de todas as mulheres”, explica Carina.