Um reencontro, assim pode ser definido o show de Emicida e Rael no MTV Pocket Show, que vai ao ar em março. Entrosados e demonstrando um bom humor contagiante, evidente nas histórias contadas por Emicida, a dupla surge no palco, para uma pequena plateia e apresenta uma seleção de faixas que, de acordo com os MC´s, conta a história musical da dupla com um medley apresentando composições do início da carreira, com destaque para a interpretação de “Levanta e Anda” (que arrepia ao vivo), “mais umas coisas recentes que a gente queria cantar”.
Uma apresentação intimista que coloca os dois expoentes do rap nacional, de certa forma, em um ambiente que os mantém próximo um do outro, já que eles se acostumaram a tocar em espaços pequenos. “Literalmente, a gente tava sempre muito próximo. Muito espremido, esbarrando um no outro. E de repente tá tudo muito maior. Cada um em um canto do Brasil, pelo mundo. Pô, você chegar numa parada igual a essa daqui, com vários profissionais foda e poder contar essa história, falar disso no freestyle, o que trouxe a gente até aqui, valorizar isso”, conta Emicida. Depois de acompanhar a energética apresentação da dupla, rolou uma conversa rápida sobre literatura, cinema e Oscar.
Emicida é um nerd de carteirinha, devorador de HQs e livros, que já disse diversas vezes que um de seus sonhos é ser ilustrador de quadrinhos. Já Rael, é um pouco mais comedido, gosta de ler, mas não consegue ler tanto quanto o amigo: “Eu sou MC e pai de família, dentro dessa correria, quando sobra um tempo, eu leio coisas”, fala sorrindo. Porém, ele diz ser fã de várias séries, está ansioso pelo retorno de House of Cards, e já viu o primeiro episódio de Better Call Saul e Vinyl. Emicida, também gosta de séries, mas diz que esse ano está ansioso para ver X-Men: Apocalipse.
No decorrer da conversa, o Oscar surge normalmente, até porque Emicida tem uma de suas músicas como parte da trilha sonora da animação vencedora de diversos festivais ao redor do mundo e também indicada ao prêmio da Academia: O Menino e o Mundo. O rapper se mostra empolgado ao falar da produção e isso fica claro ao dizer que acredita que o filme tem chance, sim. “Foi louco da gente ter ganhado o prêmio de Melhor Filme Independente no Anifilm – um dos principais festivais de animação do mundo -. Acho que deu uma força legal, faz mais pessoas olharem pro filme. Mas eu fiquei felizão. A indicação ao Oscar fez o filme passar de 22 para 100 salas nos Estados Unidos”.
E segue para um dos temas mais comentados da premiação desse ano – a falta de representatividade nas indicações – quando diz que a demanda por esse quesito pode ser positiva para o filme, por ser uma produção latino-americana. Logo, a pressão que a Academia sofre para valorizar a diversidade pode ser um fator interessante. “Eu acho que se [o filme] conseguir chegar nos caras que votam, acho que tem uma chance, sim. Claro que Divertida Mente; pelo amor de Deus, né? É um arregaço, eu acho incrível, mas sou O Menino e o Mundo desde criancinha”.
A não-indicação de negros para a premiação
Não dá para conversar com Emicida e não falar sobre representatividade, ainda mais com toda a polêmica em torno do Oscar desse ano. Assim, ele é categórico em dizer que essa situação fala muito sobre o padrão de como “a coisa é feita”, e pontua que esse momento é curioso para os Estados Unidos: “Esse monte de coisa que aconteceu, tipo Fergusson, faz com que as pessoas se perguntem, a gente alcançou, mesmo, o patamar de igualdade? Eu acho que não”. Já ao traçar um paralelo com o Brasil e a representatividade do negro na TV o MC também enfatiza que ela não existe. E credita isso ao fato da arte negra, em grande parte das vezes, ser “ridicularizada e tida como uma subcultura”. Ilustrando essa fala, cita o funk“que é o bode expiatório da vez”. “(As pessoas veem esse gênero como) a música inferior, produzida pela favela, que não é música, não é cultura, que a ostentação é um defeito. A publicidade faz a mesma coisa que a ostentação e não é demonizada da mesma maneira”.
Outro ponto que traz à baila, retomando o assunto do Oscar, é que “infelizmente as pessoas que têm o poder pra fazer com a diversidade seja gritada lá, não querem fazer. Tanto lá, quanto aqui”.
Ainda sobre os efeitos que a discussão sobre a falta de representatividade no Oscar causa, vem à tona o posicionamento de artistas norte-americanos, de todas as etnias, em relação ao fato, e, em consequência disso, uma comparação com o Brasil, já que parece existir uma letargia ou até mesmo um receio de abordar o tema nos segmentos artísticos nacionais. Com esse tópico em questão, Emicida enfatiza que essa falta de falar sobre o assunto não é culpa dos artistas negros. Mas pondera que, “enquanto as pessoas brancas não falarem sobre racismo, não vai acontecer nada. Enquanto isso não tiver na mesa do jantar dos caras, enquanto os atores brancos, artistas brancos, não levarem essa pauta pra eles, nada vai mudar”.
Rael se integra ao tema e afirma que, o que acontece, em grande parte das vezes, é uma inversão ou uma tentativa de distorcer o que é dito: “Se a gente para pra falar, vão começar a dizer que nós somos racistas. Então, vira uma situação delicada pra bater de frente e repudiar esse tipo de atitude. Porém, a pressão que a gente representa é muito forte e é muito importante que a gente fale. Mas não é algo que somente os negros vão resolver, até porque os poderes não estão em nossas mãos”. E encerra dizendo que ele e Emicida estão em um nicho visto de forma diferente, “de artistas”. Mas quem está na rotina convencional, que trabalha no setor corporativo, em um escritório, sofre muito mais. “Ele tem que aguentar calado lá, porque ele tem que segurar o nome dele lá, sacou? Então é muito difícil de lidar [com isso] hoje em dia. Nós que estamos nessa posição [artistas] e ele que tá lá sofrendo com isso”.