Entenda a ADPF Vidas Negras: reconhecimento do racismo estrutural e institucional

05/12/25
Por Beatriz de Oliveira
Com julgamento retomado recentemente, a ADPF 973 denuncia a violação sistemática dos direitos à vida, à saúde, à segurança e à alimentação digna para a população negra

Nesta segunda-feira (1º), a Coalizão Negra por Direitos publicou uma nota sobre o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, também conhecida como ADPF Vidas Negras. A ação é direcionada ao Superior Tribunal Federal (STF) com o objetivo de barrar o avanço da política de morte contra a população negra brasileira. 

“A ação busca o reconhecimento por parte do STF de que existe um Estado de Coisas Inconstitucional em relação à população negra brasileira fundado no racismo estrutural e institucional, bem como que a Corte determine uma série de medidas voltadas para sanar esse cenário de desigualdade sistêmica nos três poderes e estados federativos”, explica a nota. 

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) significa ação ajuizada no Supremo Tribunal Federal para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. Leia mais aqui.

A ADPF Vidas Negras foi criada em 2022 a partir de uma provocação da Coalizão Negra por Direitos, que é formada por 292 organizações dos movimentos negros brasileiros. Entre elas, grupos mães que perderam seus filhos para letalidade policial tiveram atuação especial nessa incidência: Mães de Maio, Mães da Maré e Mães de Manguinhos. 

Com a mobilização da sociedade civil, sete partidos assinam a ação: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Rede Sustentabilidade (REDE), Partido Verde (PV) e Partido Democrático Trabalhista (PDT). 

A ação teve seu julgamento retomado no dia 27 de novembro. Até o momento, os ministros Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia votaram pelo reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional em decorrência do racismo estrutural e institucional. 

“Eu não quero viver num país em que a Constituição para o branco é plena e para o negro é quase”, disse a ministra Cármen Lúcia durante seu voto, parafraseando o rapper Emicida. 

Por outro lado, os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli não reconheceram o estado inconstitucional de coisas por entenderem que não existe racismo institucional no Brasil. Apenas reafirmaram a existência do racismo estrutural e as graves violações à população negra. 

Faltam ainda os votos dos ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, ao passo que uma nova data precisa ser definida para a continuação do julgamento.

Segundo a Coalizão, o reconhecimento do racismo institucional é imprescindível para “o efetivo enfrentamento às violações sistêmicas que atingem a população negra brasileira, bem como para estabelecer um ecossistema de atuação coordenada e estrutural das instâncias federais, estaduais e municipais voltado para a superação do racismo”. 

“É hora de estabelecermos um marco histórico no STF de enfrentamento sistêmico ao racismo e abrir caminhos para garantir, enfim, que os direitos trazidos na Constituição Federal de 1988 também sejam aplicados à população negra brasileira”, destaca a nota. 

O que diz a ADPF Vidas Negras? 

Na ADPF Vidas Negras, a Coalizão elencou em uma série de explicações e dados que provam a violação sistemática dos direitos constitucionais à vida, à saúde, à segurança e à alimentação digna da população negra. 

“Aqui, lamentavelmente, falaremos de um projeto do Estado brasileiro que opera para nos matar, um a um, uma a uma. Nos matam à bala, de fome, por descaso, nos torturam, aprisionam, adoecem física e mentalmente. Arrancam de nós nossos pedaços, nossas alegrias, partes de nossas famílias. Ferem nossos ancestrais, nossa cultura. Destroem nossa terra, nossos quilombos, nosso passado.. Invadem nossas casas, instalam o terror, nos tiram o sossego. Não reconhecem nossa existência. Negam a nós um futuro”, diz um trecho do documento de 63 páginas. 

A ação dá destaque à crescente letalidade policial contra vidas negras e cita casos como o da Chacina do Jacarezinho em maio de 2021, quando pelo menos 28 pessoas foram executadas por agentes estatais. 

Também menciona-se as falhas de acesso ao direito à saúde individual e coletiva, incluindo dados como a maior incidência de violência obstétrica em mulheres negras e que pessoas negras são mais sujeitas a doenças evitáveis. Em relação à alimentação, o texto pontua que famílias chefiadas por pessoas negras são as que mais sofrem com insegurança alimentar. 

Ao elencar como o país promove violações maciças aos direitos fundamentais da população negra, a ADPF justifica a existência de um estado inconstitucional das coisas. “Sistematicamente o Estado brasileiro esvazia as políticas públicas e decisões judiciais que garantem a vida da população negra, ignorando que para garantir a igualdade em nosso país é preciso verificar os processos de desigualdade”, pontua o texto. 

Proposições da ADPF visam o Bem Viver da população negra 

Diante disso, a ação prevê que o STF determine ao Poder Executivo a necessidade da elaboração e implementação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à Política de Morte ao Povo Preto, no prazo de um ano. Neste plano devem estar incluídas questões como: 

  • A obrigatoriedade da União, Estados, Distrito Federal e Municípios reconhecerem e adotarem medidas para o enfrentamento ao racismo institucional nas instituições públicas e privadas; 
  • A determinação para que os planos de Segurança Pública e Defesa Social contenham obrigatoriamente políticas e ações voltadas para a redução da letalidade e violência policial, o enfrentamento ao racismo institucional nos órgãos de segurança pública e diretrizes para a implementação de protocolos relativos à abordagem policial e ao uso da força alinhados aos direitos fundamentais;
  • A determinação de políticas voltadas para a garantia do pleno exercício dos direitos políticos da população negra, considerando medidas que visem mitigar a violência política à candidatas e mandatários negros;
  • Estabelecimento de centros de referência multidisciplinares para o atendimento de pessoas vítimas do racismo institucional, com a priorização do atendimento de mães e órfãos vítimas da violência institucional;
  • A necessidade de proteção dos espaços de exercício de fé das religiões de matriz africana, bem como de suas liturgias;
  • A determinação de ampliação do Programa Restaurante Popular com oferta obrigatória de refeições matinais e noturnas e gratuidade estendida em todas as unidades do país para pessoas em situação de rua, adicção e presumidamente em situação de miserabilidade;
  • A determinação da ampliação das políticas públicas voltadas para a garantia do direito à alimentação, segurança alimentar e nutricional da população negra, povos e comunidades tradicionais.

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